Quem, sendo pai ou mãe, nunca sentiu batucar na cabeça o delicioso “Poema Enjoadinho” de Vinícius de Moraes (Filhos…filhos? Melhor não tê-los!)? Superadas as agruras das atividades iniciais dos “autores da obra”, vem o mais difícil: eles crescem, e aí, como sabê-los?

Adolescentes, verdade atemporal, sempre têm razão. Não há argumento que possa convencê-los do erro cometido, ou do possível acerto da nossa insistente pregação. Adolescentes mentem – nós mentimos; ludibriam – nós o fizemos; usam dos mais inspirados ou repetitivos ardis – bem sabemos que é assim, quando olhamos para trás e reprisamos a nossa própria vida. Mas nem por isso podem perder o nosso respeito, muito menos o nosso amor (sem desconsiderar a nossa condição humana, que nos impõe limites de tolerância, com eles, inclusive. Também: é em casa, mais do que em qualquer outro lugar, que nossos defeitos afloram).

Gosto muito de uma frase do escritor Rubem Fonseca, perdida – para mim – num dos seus tantos livros que li, aí pelas décadas de 1980 e 1990:

-A principal obrigação de uma geração é fazer a próxima melhor do que ela própria (algo assim).

Mas o que é ser melhor nos tempos que em vivemos? Ensinar a meninada a abrir seus caminhos a cotoveladas, porque não há “espaço” para todos? Não é nisso em que eu acredito. O companheirismo e a amizade se desenvolvem principalmente nessa fase “terrível” da vida. O adolescente precisa e deve encontrar o seu lugar no mundo, o que não impede que possamos dar uma mãozinha. Humanista por convicção, acho que há caminhos a apontar – sem que nos tornemos “o chato” –, que podem fazer uma imensa diferença na formação do futuro adulto.

Com minha filha, que virou uma jovem mulher especial (pelo menos para mim),com suas imperfeições, usei a música como chamariz para a arte. Depois, ela e o mundo da boa ficção se entenderam bem: desenvolveu o gosto pelo cinema, pelo teatro e arrisca-se, agora, em leituras que nunca serão tardias. O senso de justiça, a responsabilidade com o trabalho, tudo isso é motivo de muito orgulho para mim – mesmo considerando que a minha mulher tem muito mais méritos nessa história. 

Mas cada geração tem suas peculiaridades, mutantes que são o mundo e as pessoas. Hoje se impõe ao adolescente uma responsabilidade extremada e antecipada sobre o futuro profissional. Mas como? Jogando longe a chance única de viver a adolescência com suas muitas dúvidas e não menos certezas? De jeito nenhum. A vida de cada um de nós representa não mais do que átimo de segundo, e inexiste fase melhor para as grandes descobertas – inclusive do amor romântico.

O que você vai ser para o resto da sua vida? Deixe para decidir o mais longe possível. Aprender a ser gente, esta sim, acredito, é uma ação que exige urgência e persistência. Os pequenos ensinamentos que podemos – e/ou devemos – tentar levar a cada dia, me parece, vêm do próprio cotidiano: o respeito ao outro – maioria ou minoria -, a superação dos preconceitos (pelo menos aqueles que identificamos em nós mesmos), o cuidado com os demais, e, repetindo o poetinha Vinícius, o entendimento de que “é impossível ser feliz sozinho” – o nosso compromisso com o coletivo.

Não está aqui uma receita, até porque vivemos, nós mesmos, tentando descobrir o que somos. Tales de Mileto (634 a.C a 545 a.C), considerado o pai da filosofia ocidental, quando indagado sobre o que era mais difícil, respondeu: “Conhecer a si próprio”. O mais fácil? “Dar conselhos”. Então, vivemos o eterno tatear da nossa alma e daqueles que são as nossas crias. Mesmo quando não sei o que fazer, e são tantas as vezes, sinto a necessidade de seguir tentando, ariscando. Até porque não há uma prescrição única para gente.

Resolvi – e com algum sucesso – levar meu filho adolescente para o mundo da arte, aquilo que a humanidade melhor produz, acho eu, através do cinema. Pode ser pouco, mas me parece um caminho plausível ao lidar com uma geração para a qual a imagem representa tanto. Nunca saberei o tamanho do meu erro ou do meu acerto, mas me darei por satisfeito se, mesmo que ele não venha a ser a ser um profissional festejado, puder concluir, ao fim e ao cabo, que não pus mais um canalha no mundo.

(Seria meu melhor legado, embora já ausente, estar entre aqueles privilegiados – em relação aos meus filhos – a que se refere Lord Henry, personagem cínico de Oscar Wilde em “O retrato de Dorian Gray”: “Poucos de nós têm a chance de perdoar nossos pais”.)

 

Presidente da Ceal foi nomeado ao cargo no "esquema" da família Sarney, diz jornal
O crime organizado do Rio e o fetiche alagoano
Atualmente não há comentários.