Esta semana, entrei numa agência bancária e uma funcionária, muito gentil, logo me entregou uma senha com a ordem numérica de atendimento no caixa. Li com alguma surpresa, ainda que sem qualquer desconforto: “Atendimento prioritário”.

Sorri e disse a ela que, “por enquanto”, ainda não poderia dispor do benefício. Sim, porque há de haver, também, alguma vantagem em envelhecer. Um pouco sem graça, a mocinha deu-me outra ficha com a inscrição “Atendimento normal”.

É claro, não foi difícil entender qual era a “anormalidade” identificada em mim pela cordial funcionária do banco. O tempo vai deixando suas marcas, que provocam estranhamento ou rejeição naqueles que envelhecem; ou, ainda, inspiram um tratamento semelhante ao dedicado a crianças ou a doentes, por parte das pessoas com as quais interagem os “vetustos”.

Não confundir com o respeito – é alguns tons acima. Por exemplo: fala-se alto, como se todo coroa fosse surdo, ou encara-se bem de perto o encanecido interlocutor, cujos olhos devem acusar cataratas do Niágara (já estou me preparando para hálitos, digamos, desagradáveis – ou não).

No seu ótimo ensaio sobre o tema, Cícero, o filósofo romano, afirma que “todo mundo quer envelhecer, mas ninguém quer ser velho”. Não há alternativa: ou as duas coisas caminham juntas – velho e velhice -, ou corremos o seriíssimo risco de nos deparar com o ridículo. Em último e definitivo caso, com a morte, possibilidade menos desejável, creio.

A autocobrança da eterna juventude continua sendo uma armadilha da qual nem todos conseguem escapar. Defendo, por convicção, que devemos nos assegurar o direito de envelhecer, com as inevitáveis ranhuras no corpo e na alma, que até podem, sim, trazer uma nova beleza.

Eu, particularmente, vejo um charme todo especial nas mulheres que mantêm os cabelos brancos, quando estes lhes chegam, sem as tinturas quase sempre puxando para um loiro fingido, que se denuncia ao primeiro olhar.

E em temos de infindáveis – e estúpidas – discussões sobre gênero, eis uma boa frase de Machado de Assis para os ex-meninos: “Envelhecer sem dignidade é a última peça que a natureza prega ao homem”. Invenção do Bruxo? Não creio.

De quando em vez, me dou conta, ao ver o espelho, de como o tempo tem me tratado. Por enquanto, não tenho muito do que me queixar: as coisas estão do jeito que, assim me parecem, deveriam estar. Nunca fui o macho Alfa, mas sobrevivi até aqui sem que morresse de sede em frente ao mar.

Perdi umas tantas coisas – valiosas, sim -, mas ganhei outras com as quais convivo muito bem e que muito me dão prazer: o gosto, cada vez mais exigente, pelo silêncio ou boa música (está difícil); alguma serenidade a controlar a ansiedade que me parecia indomesticável; e até quando a memória me trai, encontro no mesmo Cícero (Saber envelhecer) um alento e tanto:

– Jamais vi um velho esquecer o lugar onde escondeu o seu dinheiro. Os velhos lembram-se sempre daquilo que os interessa: promessas de caução, identidades de seus devedores e credores etc.

Sábio e mordaz! Bem, cada qual com os seus valores, materiais ou não.

E, cá para nós, enquanto envelheço celeremente, sabe o que noto que cresce em mim sem parar, quase que sem controle?

Bobinhos!

A curiosidade pelas coisas do mundo. E, inevitavelmente, o temor a algumas inovações que a modernidade nos traz.

Um dia desses, por exemplo, estava eu na minha caminhada noturna, que em alguns dias da semana vira corrida, quando passei por duas jovens, a quem não prestei – juro – muita atenção.

Eu seguia cantando, um hábito tão antigo quanto este velho jornalista. De repente, ouvi:

– É o Ricardo Mota. Abraça ele pra eu fazer uma foto.

Ouvi, gelei, e sem olhar para trás, sinalizei que “não”, agitando no ar o indicador.

Ela insistiu:

– Abraça ele, abraça ele, que eu faço a foto.

Quase que correndo, usei os mesmos dedos das duas mãos, de costas e em véspera de desespero, para rejeitar a “proposta”.

Finalmente, livre do que me pareceu a iminência de um vexame, concluí para mim mesmo:

– Ainda é tempo para muito, mas não para tudo.

E isso, por ora, não me incomoda em nada.

 

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  • Gustavo Pinto

    Ricardo, deveria ter deixado as meninas terem tirado a foto com o “velhinho famoso “kkkk.
    Agora é uma pena que nesse nosso país injusto muitos não terão a chance de sequer chegar a envelhecer e, outros tantos , não o farão com o mínimo de dignidade.

  • Denys Reis

    Mais um domingo de aprendizado… Confesso Ricardo, que ” a notícia” de domingo está ficando bem mais interessante do que as de segunda a sábado( pq essas parecem a repetição ruim em muitas delas do nosso dia a dia), e olhe, só tenho 28 anos, mas aprender com a experiência dos “velhos” não tem coisa mais engrandecedora, nos leva a entender todos os pontos de nossa vida.
    Parabens e uma boa semana.

  • Fred

    É um grande enredo para quem chega lá.

  • SEBASTIÃO IGUATEMYR CADENA CORDEIRO

    RICARDO , RAPAZ ; HÁ ALGUM TEMPO EU NÃO PARTICIPAVA DA SUA COLOQUIAL DOMINGUEIRA , PORÉM
    FUI TRAGADO PELO TEMA UTILIZADO E PELA ACENTUADA MORDACIDADE QUE O AMIGO EMPREGOU
    PARA RELATÁ-LO . DO JEITO QUE EU GOSTO ! PARABENS ! QUANTO À ENTREVISTA COM O DR. SERGIO , DESENROLOU-SE CONFORME A MINHA PREVISÃO . UMA PESSOA DECENTE , PRENHE DE VIRTU-
    DES QUE EU , PARTICULARMENTE , APRECIO , TALVEZ PELO FATO DELAS SE SITUAREM EM PERIGO DE EXTINÇÃO , PARTICULARMENTE NESTE PAÍS E MAIS , MUITO MAIS , AINDA , NESTE PSEUDO-ESTADO . O MURO
    DA VERGONHA ERIGIDO LENTA , MAS , INEXORAVELMENTE , POR ALMAS SEBOSAS , COM VIÉS HEREDITÁRIO , ESTA AÍ , COMO UM MONÓLITO INDESTRUTÍVEL , DESAFIANDO OS HOMENS DE BEM , QUE SÃO MAIORIA APENAS EM NÚMERO E NÃO EM PODER . PESSOALMENTE , A ENORME PROMISCUIDADE ENTRE PODERES PÚBLICOS E ENTRE A PRÓPRIA SO-
    CIEDADE COMO UM TODO ( TRADIÇÃO , CULTURA ETC. ) ,SÃO RESPONSÁVEIS POR ESSA IGNOMINIOSA SITUAÇÃO.
    O DR. CITOU SERGIPE COMO EXEMPLO , QUE É DE MENOR PORTE GEOGRÁFICO DO QUE ALAGOAS , O
    PENDURRICALHO MAIS VISÍVEL DESTA DEFORMIDADE , EM TERMOS NACIONAIS .. O GECOC , É REALMENTE UMA ILHA DE EXCELÊNCIA EM TERMOS JUDICIAIS , DES-
    TE PSEUDO ESTADO . NESTE CENÁRIO , EXTREMAMENTE
    DESFAVORÁVEL , NÃO POSSO ACREDITAR QUE , ALGUM DIA , SE POSSA FAZER E DISTRIBUIR , JUSTIÇA
    NESTE PSEUDO ESTADO , PELO MENOS NESSA GERAÇÃO , EM QUE ESTAMOS COM OS CABELOS EN-
    CANECIDOS PELO TEMPO . UM FORTE ABRAÇO !

  • JEu

    Prezado Ricardo, foi mesmo uma boa hora essa sua de falar do “direito de envelhecer”…. Coisa boa, claro, para quem alcança uma idade maior entre nós, visto que tem milhares de jovens e adolescentes morrendo estupidamente por nada nestes dias… No entanto, creio que, no Brasil (assim mostra a experiência) chegar à vetustez e viver com tranquilidade não é nada fácil…. Se as leis criadas (muito justificadamente) para proteger quem passa dos 65 anos (normalmente), parece que muita gente e muitas instituições (principalmente públicas) estão se “esquecendo” das mesmas (mesmo sem sofrerem do tal Alzheimer)… No meu caso, tenho minha mão com seus 82 anos… aposentada do antigo Ministério do Exército (que já foi o da Guerra) e agora o é da Defesa, e pensionista há 2 anos do Ministério das Comunicações, hoje sofre de uma certa “preocupação” com os comprovantes de seus salários, pois o Ministério das Comunicações desativou o único escritório neste Estado, que se localizava na sede dos Correios na rua do Sol, sem indicar qualquer outro local mais próximo a quem recorrer, em caso de necessidade; já o atendimento do Ministério da Defesa é na 20a CSM, onde tem que comparecer, religiosamente, 2 vezes por ano para “recadastramento”… O problema maior é que ambos os Ministérios, deixaram de enviar os contra-cheques pelos correios (coincidentemente o local onde meu falecido pai trabalhou por mais de 30 anos) e ambas as instituições não indicaram uma forma acessível de conseguir os tais documentos… Na CSM disseram que podem ser conseguidos simplesmente no caixa eletrônico do banco, no caso de minha mãe, a CEF, onde tentamos, até com a ajuda de 2 gerentes, e não conseguimos… Já os do Ministério das Comunicações, não temos sequer uma indicação qualquer….!!!! Enquanto isso, fica minha mãe, que mora no Conj Dubeux Leão, próximo ao shopping Páteo Maceió, tendo que se deslocar (de ônibus) para o centro de Maceió, muitas vezes, sem conseguir resolver a situação…. E isso é um só exemplo de desrespeito aos idosos… pois se formos falar de saúde, direito à cultura, lazer e respeito no trânsito, então a coisa fica mais feia ainda…. Bom domingo, Ricardo. E que Deus o guarde de chegar à idade mais avançada com o tipo de atendimento que dão hoje aos nossos idosos….!!!!

  • Romão

    Bom saber que você foge das fotos, rsrsrs. Já tinha imaginado fazer isso quando Deus me desse a feliz oportunidade de encontrá-lo, casualmente, por aí, rsrsrs. Mesmo assim, devia ter deixado as meninas tirarem a foto, rsrsrs.
    Muito bom o texto. É uma fase linda, mas cheia de incompreensões, inquietudes e muitas decepções. Mas anseio por vivê-la!

    Resposta:

    Meu caro Romão:

    Não é o caso de “fugir” de fotos. Faço várias – e com prazer.
    A abordagem é que, às vezes, me assusta.
    Quando me encontrar, pode sugerir a foto – estou à disposição.

    Grande braço,

    Ricardo

  • Teomirtes Leitao

    Ricardo, belissimo texto. A moça tinha razão em desejar uma foto ( kkkkk) , cada dia está mais difícil encontrar alguém no cenário mundial que seja um referencial , você é um ícone do jornalismo, da música ( pena que parou ) e de integridade . Parabéns por seus textos que sempre levam a grandes reflexões .

  • Robson Martins

    parabéns, ricardo sou seu fã!

  • Robson Martins

    …desculpe, vou terminar meu pensamento: gostaria muito de envelhecer com a sua sabedoria e inteligência.

  • tania

    Ótimo texto…….sempre estou a indagar a algumas amigas como elas encaram o envelhecimento pois estou sempre me olhando e vendo os sinais evidentes da velhice….pele, sinais da senilidade, dores nas articulações , rugas de expressão bem acentuadas rssss…..mas adoro chegar no shopping e colocar o carro bem em cima de entrada e fico pensando: que bem ter mais de 60 anos, alguns privilégios temos que ter não é? Só não consegui ainda deixar os cabelos brancos mas esse meu desejo está próximo de ser concretizado e vamos envelhecer com dignidade, sempre amando a vida e ao próximo!

  • Há Lagoas

    A velhice é como um bom vinho…
    E o mais importante neste processo de amadurecimento são os princípios que defendemos e os legados que esperamos deixar.
    E cá pra nós, feliz aquele que chega nesta fase da vida!

  • Mário

    Grande Ricardo.
    Parabéns pelo expressivo texto. Agradeço à Deus por ter chegado aos 59 anos com saúde, disposição e lucidez. Um abraço.

  • Roseane Chagas

    Que maravilha de crônica, gargalhando muito, faz tempo que me fazes rir dessa maneira! Coisa linda meu Rico, só faz melhorar esse menino! Quanta a foto, vou querer também, e nenhum indicador pro meu lado entendeu!?

  • ARTUR

    Já sou um veterano, kkkkkkkkkkkk 63 anos de: luta,esperança, expectativa,e torcendo por um país melhor que hoje. Hoje, não peço mais nada a DEUS, só agradeço por tudo que consegui durante a vida em se tratando de sustento e educação familiar. Interessante que não muda em nada por ser da 3ª idade,e continuo com o mesmo prazer de viver e agora principalmente que virei usineiro (diabético) . kkkkkkkkkkkk aumentou o cuidado.

  • Rosangela Santos

    Que elegância literária!!

  • joao miranda de o0liveira filho

    So um lembrete aos que não gostam de velhos : Quem não envelhece morre Cedo . Parabens pelo artigo !!!

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