Os gatos carregam a má fama de terem tendências suicidas. Por desconhecer a psicologia dos quadrúpedes emplumados, deixo de dar pitaco sobre o tema, embora considere os bichanos mais sábios e determinados do que os da nossa turma. Entretanto, há, sim, uma mitologia sobre os ronronantes que até nos leva a acreditar que os danados não titubeiam em exercer a arte de morrer, quando assim decidem.

A história envolvendo o “pai da bossa nova”, João Gilberto, é um clássico no meio cultural. Conta-se que o violonista que inventou a batida que o mundo aprendeu a amar tinha um pequeno felino, que tratou de dar cabo à própria vida. João Gilberto, dizem todos que o  conheceram de perto, cultivou o preciosismo e a perfeição até o último instante em que soube que ele era o “João”, do Caetano, do Gil e de todos que o tinham – e têm – como referência artística maior. De gente,  aí é outro papo, porque ninguém haveria de aturar dois joões iguais àquele, ainda que um deles estivesse no espelho.

E o gato?

Vivia no apartamento do cantor/compositor fazendo o que os gatos fazem: dormindo, comendo e se entediando (às vezes, tenho a impressão de que eles se perguntam: o que fazem esses tolos, ansiosos e iracundos humanos?). Dois meses de perseverante e insuportável busca pelo “acorde perfeito maior” só o João Gilberto seria capaz – não o gato. Há de se explicar que durante o longo período de exercício, em que o artista batucava e repetia e repetia e repetia o arpejo nas cordas de nylon do seu pinho, todo o ambiente permaneceu fechado – para preservar e valorizar a acústica.

O grand finale, finalmente, chegou, e o João abriu a janela do apartamento para que o mundo tomasse conhecimento da sua descoberta minimalista. Ato contínuo, o bichano mítico saltou em busca da liberdade espacial e sonora que mendigara por dias a fio. Foi-se o gato, restou o homem (não sei se haveria vantagem nessa troca, caso o enlutado não fosse o João Gilberto).

Mas um gato se lança ao encontro da indesejada dos homens, consciente e decidido?

O tema ainda é polêmico, mas os negacionistas dessa aparente evidência – com ou sem razão – são taxativos em dizer que isso é uma bobagem, embora o salto para a morte seja algo comum demais entre os bichanos.

E aí vêm as explicações: gatos são brincalhões, curiosos e se acidentam por descuido com frequência, o que vale muito para os gatos de apartamento. O sono, o desequilíbrio e até o puro acidente ao retirar a patinha do local em que se equilibrava para coçar ou alcançar algo que o atrai, tudo pode ser a causa do efeito letal.

O que fazer, caro leitor, cara leitora, que gosta do tal bichinho (eu sou dos cães, mas respeito os gatos)?

Colocar rede ou outro tipo de proteção nas janelas e varandas que miram do alto da sua moradia (e do gato) – essa é a orientação consensual dos especialistas do ramo.

Aí entra outra questão: como proteger dos bichanos outros animaizinhos adoráveis, que possuem asas e trazem a música para o mundo, desde muito antes de sabermos dos acordes do João Gilberto falado?

O multicientista Jared Diamond conta, em Reviravolta, que os gatos são um inimigo natural das aves, ainda que sem o ódio ou sem o medo característico e manifesto dos homens em relação aos seus (nossos) iguais.

Prepare-se que a pancada é grande e os números superlativos na narrativa do – também – ornitólogo americano:

– Como a população de gatos soltos nos EUA é estimada em 100 milhões, pode-se calcular que eles matam ao menos 30 bilhões de pássaros por ano… Cada gato mata em média 300 pássaros por ano.

(Será esta a explicação para o alardeado travesseiro de penas do Sidney Wanderley, dono e escravo da sua gata Dóris?)

Pelo sim, pelo não, reza a lenda que o felino de João Gilberto já havia usufruído de seis vidas antes que resolvesse viajar para um tempo sem futuro.

JHC volta a Brasília em busca do tesouro do Planalto
Quem saiu agora do grupo de WhatsApp do governador?
  • Há Lagoas

    Judith Moreira, nome de nossa gata – negra de olhos verdes – realmente ceifou a vida de alguns pássaros, tudo de baixo de nossos protestos. Entretanto, morreu de câncer e em avançada idade.
    Com a maturidade, se tornou mais caseira, mas amável e por fim, se tornou um membro da família.
    Quanto ao sobrenome dela, pertence a minha sogra. Judith quando chegou em casa, era arisca, independente e implacável em sua rabugice.
    Excelente crônica, um bom domingo a todos!
    PS. Também gosto de cachorros, mas a independência de um gato, sua personalidade e índole própria é algo que nos desperta atenção. Aconselho ao amigo se presentear com um gato.

  • Laskdo

    Os gatos são criaturas livres. Suas características naturais provam isso, a capacidade de pular muros altos, gostar de alturas e ter a habilidade única na natureza de desiquilibrar, o que é raro, ou por ter sido maldosamente empurrado, em pleno ar conseguir se virar e cair em pé. Então não é raro o que o gato do João Gilberto fez. Muitos gatos levados ao stress semelhante ao do João, tem infelizmente o mesmo fim. O ser humano colocado numa torre muito alta por muito tempo, cuja única saída fosse pular rumo a morte, acredito que buscaria essa “liberdade” como solução.

  • Antonio Moreira

    Faz pouco tempo (dias), uma senhora pegava um gatinho e botava remédio na boca dele.
    O animal branquinho estava doente e ela me disse, tinha intenção de levá-lo para casa dela para juntar com um outro bichinho. Uma outra mulher ficou com a missão de alimentá-lo, mas tinha pavor o cocô do gato. Eu, voluntariamente fiquei fazendo limpeza no local onde ele ficava. Percebi claramente o carinho que o bichinho tinha por mim. Finalmente, não sei o destino dele …