O que me encanta em Júlio César, de Shakespeare, não é o belo e inspirado discurso de Marco Antônio, mas como o autor descreve, sutilmente, a mudança de humor da multidão: em tão pouco tempo e em troca de poucas palavras, as pessoas mudaram de lado e de inimigo.

Júlio César vai do massacre da massa, ao ouvir Brutus, a herói de uma gente que sempre há de precisar de heróis.

(A despedida de Brutus após ter se tornado vilão é notável: “Tenho a noite nos olhos; e os meus ossos desejam o repouso que merecem: eu vivi preparando este momento”. Todos o fazem, ainda que o neguem ou ignorem.)

Mas é o incômodo que nos faz pensar.

Acontecia ali, na mais pura e imortal arte, o que a vida se encarrega de imitar sem tanta beleza e boas emoções e que mais de 400 anos depois – em 1999 -, antes, porém, do contágio sem vacina das redes sociais, Umberto Eco, genial filósofo (êêpa!), veio a chamar de “maioria emocional”.

E elas se formam e se desmancham, hoje, numa velocidade alucinante, seguindo preceitos que nunca deram errado na história da humanidade: provoque o medo, use linguagem simplória, açule raivas e ódios, dê prioridade aos adjetivos, arrume um inimigo comum, mesmo que seja criação ficcional, divida o mundo entre azuis e vermelhos – e você conquistará “milhões de amigos”.

O grande desafio da humanidade, em qualquer tempo, é transformar um valor civilizatório em senso comum. Quando isso acontece, os humanos avançam, sem que nada garanta que o recuo seja apenas uma questão de tempo e circunstância. Fica evidente que é mais difícil unir do que separar.

Sempre fomos – e seremos – tribais. O problema é que as maiorias emocionais (de Eco) se formam numa celeridade nunca imaginada antes, ainda que se desfaçam na mesma velocidade do metabolismo de um bebê, que transforma em pasta informe o que veio a ser, um pouco antes, a seiva da vida (desculpem a referência ao cotidiano de João Vicente, meu neto, de acentuados e belos traços afrodescendentes).

É verdade que o sociólogo (de novo, Ricardo? Você tá doido?) Zygmunt Bauman  nos avisou que tudo, por agora, é passageiro demais, fugaz demais, líquido demais! Só se esqueceu de lembrar que a gravidade opera em favor do tal do senso comum, este sim, um líquido que a temperatura já leva ao estado gasoso (sem provocação, gente!).

Mais ou menos assim: quanto menos conhecimento, mais certezas, mais convicções férreas. É muito mais fácil e menos trabalhoso dividir o mundo em dois agrupamentos do que entendê-lo e aceitá-lo tão diverso quanto os humores e cores que se espalham pelo planeta.

Um dia desses, lendo um artigo de Richard Dawkins (Ciência na veia), o maior cientista-polemista vivo, me dei conta de quanto os melhores de nós – e como eu os admiro! – podem se enganar no entusiasmo novidadeiro que o Iluminismo, valente e saudável, nos arremessou.

De tão empolgado com a grande descoberta da virada do século XX, ele chegou a propor que Tim Bernes-Lee, considerado o pai da Internet, recebesse o prêmio Nobel da paz. O próprio já afirmou que sua descoberta se transformou na “maior arma de destruição em massa da história” do homem.

Dawkins, depois de viver seu entusiasmo juvenil – a que todos somos vulneráveis -, voltou atrás em 2016, quando o mundo descobriu Trump, um ser que se imaginava tão extinto quanto o Tiranossauro Rex. Ele refez seus conceitos e pediu socorro ao Facebook e ao Twitter para que “tomassem as providências”, como se fosse um brasileiro a cobrar justiça do Judiciário.

A crença do polemista de que, finalmente, o conhecimento e a mais alta literatura estariam diante dos olhos de qualquer cidadão ignorou a própria história (biológica) do Homem, que ele conhece bem mais do que qualquer um de nós.

Talvez tenha lhe faltado, naquele momento de ígnea paixão, lembrar o (bolivariano?) Saramago, de Ensaio sobre a cegueira: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”

Ou talvez tenha apenas esquecido que, um dia, e não faz tanto tempo, um líder popular conseguiu mobilizar multidões, no país mais civilizado da Europa, pensando assim:

“Quando ouço alguém falar em cultura, saco o meu revólver” (frase de uma peça antinazista, atribuída a Herman Görin ou Joseph Goebbels – não importa. O que vale é o conceito) .

O homem não nasceu ontem, mas como ele se repete!

As expectativas da semana estão voltadas para a CPRM
Pensar pode ser perigoso no país governado via Twitter
  • Idosamente MONGE no Sertão: busca SUS sem úi nem Ái!

    Êita gota serena, Ricardo … pôxa!
    > a mudança de HUMOR da multidão: do massacre … a herói de uma gente [R Mota]
    – tão pouco tempo\ poucas palavras, mudaram de lado e d’inimigo. [Co(N)xinha BI-valve]
    Emprenhando pel’U$ ouvido: QUEM peRecisa d’heróis. [J-César BY Shakespeare 1600’s]
    As artes LITERATURA e teatro (Séc XVI) pré- cinema (Séc XX) à época imitariam vidas 2019?
    Tipo Circo PLANALTINO com palhaço nojento desgraçando finais infelizes, deixando marcas e CICATRIZES?
    > Mau filho e PAI razoável, com SORTE em casa a consorte compreende minhas próprias frustrações:
    – de sertanOjo me(R)diano no SERTÃO a insignificante MATUT@ na capital, alivia!
    > Mas a filharada quer COLO e comodidade a cada dia meses a FIO c’o pavio CURTO:
    – salário menor que 30 dias DINHEIRO$ à vista q’u$ cartões parcelam mas nunca CANCELAM, dói!
    > M’a mãe onde cresci no ventre é SÁBIA apesar de pouca escola até Ens Fundamental nos 1930’s:
    – SEM lanterna de Diógenes ante facas de 2 legumes: uns crus ` à boca e os de COZINHAR.
    # Quem NUNCA peter-PAN-zinou-se de desejos frustrados e mal resolvidos?
    – Vida q segue … ‘O homem não nasceu ontem, mas como ele se repete!!’ [R Mota acima]

  • JEu

    Bom dia, Ricardo. Realmente, não posso deixar de concordar, “o homem não nasceu ontem, mas como se repete!” é uma constatação… mas, creio, o mais importante não é “perceber” essa realidade e sim se perguntar o por que disso acontecer… assim como todos os estudiosos de “superfície” do ser humano, todos podemos nos enganar ao pensar que o “homem” não muda… não se transforma… mera falha de “ótica” ou de “posição” do que se observa… li alhures o seguinte algo que dizia que os agrupamentos humanos e as civilizações, em determinado tempo, e depois de haverem avançado muito em tecnologia e correspondente inteligência, são destruídas (e a história mais antiga da humanidade assim o demonstra) para que o lado moral possa, também, pelas atribulações, passar pelo cadinho da dor que transforma o coração, o sentimento e desperta para realidades “maiores”… e então, parece que tudo se repete novamente… então, onde a transformação?!!! o texto então diz que aqueles que foram transformados também “mudaram” de “moradia” ou “local de habitação” e outros, ainda iniciantes nos processos do amadurecimento intelectual e moral, lhes tomam o lugar, precisando passar pelas mesmas “experiências”… e tudo, na humanidade, parece se repetir… mas não são as mesmas “pessoas” que estão se “repetindo” e sim outras pessoas… porém, aqueles que se aproveitam das lições que ficaram do passado, como legado das civilizações anteriores, logo se “adiantam” aos demais (e a nossa civilização está cheia desses exemplos…) e logo passam para uma nova “morada”, enquanto que a maioria, por desídia, inconformação, rebeldia ou má vontade, terá que sofrer as “dores” da destruição, das atribulações para se decidirem pela “mudança” necessária… por isso, não foi à toa que Jesus, diante da dor alheia que o buscava para o alívio que procuravam, muitas vezes, por amor incondicional, atendeu aos pedidos, porém sempre acrescentando, por reconhecer que é na própria intimidade de cada um onde se encontra a solução definitiva, o sábio conselho: “Vai e não peques mais (pois o erro sempre tem como resultado a dor…) para que de futuro não te suceda acontecer o mesmo ou coisa pior”… cada um de nós, então, é que deve verificar o que de “pecado” (erro perante as Naturais/Divinas…) estamos cometendo… afinal, todos nós queremos ser felizes e essa felicidade só pode acontecer, em nossa humanidade, com tranquilidade de consciência e essa tranquilidade só poderemos alcançar quando formos capazes de cumprir o mais sábio conselho que já nos foi legado: “Amar a Deus sobre todas as coisas e amar aos próximo como a nós mesmos”… Bom domingo.

  • Edson

    Como bem afirma a Bíblia, em Eclesiastes: “[…] Nada é novo debaixo do Sol [inclusive os homens, com Suas vãs filosofias.]”

  • Manoel Miranda

    Baseado em JULIO CESAR, mais precisamente em Brutus, Bergman fez O OVO DA SERPENTE, seu único filme americano.

  • Antonio Moreira

    Responda para si mesmo, o que representou ou representa decisivamente em minha vida, ou seja, foi ele(a) que
    mudou a minha vida:
    De José Sarney a Bolsonaro(Presidentes).
    Os títulos obtidos pelo seu time de futebol(CSA,CRB,Flamengo e etc).
    Do Papa/Bispo/Pastor/Padre, começando o nome com a letra “A a Z”.
    Do Pensador/Filosofo/Vendedor de Palestras “A a Z”.
    Se você foi contemplando, gostaria muito de saber.

    Acho que tudo citado acima tem importância, sim, mas não é a razão da minha vida.
    Beber, torcer e até rezar/orar com moderação faz parte da normalidade humana.

    Justifico – empresa precisava do funcionário para fazer hora extra e ele dizia
    que não podia porque tinha compromisso com sua igreja. perdeu o emprego. Isso é fato.
    Faltou sem avisar – viajou para vê o seu time jogar… perdeu o emprego. isso é fato.
    Não foi trabalhar porque bebeu demais uma vez e outras vezes. perdeu o emprego. isso é fato.

    Minha gente, do céu cai, chuva, raios e até avião(misericórdia, o meu filho quer ser piloto
    de avião).

    Tire as mãos dos teclados, vamos trabalhar!

  • Rosa Ferro

    Como eu estava querendo uma leitura como esta hoje! Obrigada por sempre saber o que dizer nos momentos mais certeiros. Saudade de você!

  • Pedra Noventa

    “Parem o mundo que eu que eu quero descer”. (Raul Seixas).