Era uma daquelas deliciosas manhãs de domingo, que, para mim, começavam com Rolando Boldrin e o Som Brasil(hoje é Senhor Brasil, na TV Cultura). Já era assim, nos anos de 1980, e assim continua sendo até sabe-se lá quando.

O artista que se apresentava era um nordestino comum: cabelos desgrenhados, barba rala, violão “nervoso” e um invejável humor. Foi na voz daquele personagem que eu ouvi pela primeira vez falar no Pinto do Monteiro. Um repentista e cantador ranzinza, assim definido por ele. Desfilou alguns versos do seu conterrâneo e me atiçou a curiosidade.

Anos depois, quase ao acaso, me chega às mãos uma biografia do Pinto Velho do Monteiro, escrita pelo advogado pernambucano Ivo Mascena Veras, um apaixonado pela arte e pelos artistas populares do Nordeste. Estava ali: o cantador era tudo o que dele havia dito o compositor paraibano – e muito mais.

Ranheta, estava claro, ele era de verdade. Fazia questão de sê-lo, aquele sertanejo nascido Severino Lourenço da Silva Pinto, em novembro de 1895, e que arrastou sua existência até outubro de1990, quando morreu na mesma Monteiro que o viu chegar ao mundo. Um galo de briga – na viola -, o Pinto cantador. De tão iracundo, o danado, não admitia nem mesmo que o adversário se derramasse em elogios ao “gênio de Monteiro”. Manoel de Xudu, do Sertão de Pajeú, abriu um desafio dizendo que para ele Pinto era um deus. Foi o suficiente para que o homenageado pegasse a viola, enfiasse no saco e se despedisse:

– E você só sabe cantar assim, é? Que coisa! Adeus.

Enfrentou todos os grandes de várias gerações: os irmãos Batista, Antônio Marinho (os “donos” de São José do Egito – PE, a maior concentração de poetas por metro quadrado do mundo), Pedro Marcolino e quem mais chegasse. O improvisador imbatível era difícil de tombar. Já sem os dentes, se deparou num embate com o grande Otacílio Batista, que lembrou esta condição. Pinto? Foi no cravo e na ferradura:

Eu ainda depois de morto
Três dias na sepultura
Meu espírito vai vagando
Somente à sua procura
A fim de um dia encontrá-lo
Cantando sem dentadura.

Ao cantador Expedito Sobrinho, que disse do octogenário Pinto que ele não chegava aos “noventa”, respondeu:

Eu vivo é cento e quarenta
Achando a vida moderna
Escorado na bengala
Coxeando duma perna
Quem me domina é Jesus
Corno nenhum me governa.

É claro, ele tinha também um momento de aconchego e amizade no seu versejar de guerreiro. Na casa de José Monteiro, nas quebradas do Sertão, no meio da cantoria apresentou seu pedido:

Amigo José Monteiro
Avise à sua senhora:
Se tiver galinha gorda
Mate e traga pra fora;
Que o filho comendo a mãe
Quem não viu, vai ver agora.

Morreu cego e na miséria, dividindo com seu adversário e parceiro da vida toda, Lourival (Loro) Batista, uma pensão de um salário mínimo, concedida pelo governo do Estado de Pernambuco. Deixou uma das mais belas e verdadeiras definições de saudade:

Essa palavra saudade
Conheço desde criança
Saudade de amor ausente
Não é saudade, é lembrança
Saudade só é saudade
Quando morre a esperança.

 

Renan Filho deve negociar com Marcelo Victor formação da Mesa da Assembleia
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  • Juvenal Gonçalves

    Taí, Ricardo, a melhor definição da intraduzível palavra saudade: lembrança!
    Nesse tema, lembro do cearense Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré:

    “Saudade dentro do peito
    É qual fogo de monturo.
    Por fora tudo perfeito,
    Por dentro fazendo furo.

    Há dor que mata a pessoa
    Sem dó nem piedade.
    Porém não há dor que doa
    Como a dor de uma saudade.

    Saudade é um aperreio
    Pra quem na vida gozou.
    É um grande saco cheio
    Daquilo que já passou.

    Saudade é canto magoado
    No coração de quem sente
    É como a voz do passado
    Ecoando no presente”

    Uma semana de boas lembranças para todos!!!

  • Só de Migué

    Caro Indispensável Jornalista Ricardo Mota,

    Vejo que neste domingo vosmicê veio de Cantiga de Mourão, que é uma arte de poucos, bastante provocativa. De Xangai a Elomar, o melhor é Zé Limeira, o poeta do absurdo que muito ouvi lá na feira, no meu tempo de criança, mas vou entrar nessa troça com um versinho que fiz, o mote não é fácil, mas vai lá o meu o traço:

    A Cantiga de Mourão é o melhor do repente
    Só entra na brincadeira quem tem engenho na mente
    Zé Limeira foi gigante do mote fazia rima
    É o maior cantador dessa arte nordestina
    O Pinto que canta de Galo é uma ave mais pura
    É filho de Calcutá, tem linhagem, tem postura
    O Galo terranso canta, mas não desperta ninguém
    Pois é medroso na luta, não aguenta uma disputa
    O seu bico é de borracha, sua espora é pequena
    Só tem coragem em bando, é fraco como uma hiena
    O Pinto que canta de Galo é uma ave guerreira
    Pode apostar é de rinha, é campeão de bravura
    Mas tem também a candura, que é sentimento nobre, respeita a casa do pobre, sem desdenhar de ninguém
    É forte na esperança, sabe fazer aliança, é de perdão imbuído
    Mas é feito para luta, e na luta é renascido.
    Bom domingo!

    • SEM 13o nem puZZentá: cUm droga lícita (cachaça\cigarro) BRASIL sem viadagem seria TRISTE!

      BOM d +, Só de Migué … nova safra de poetas d’ALAGOAS!
      craques da juventude infinitamente DURA melhores que LOAS alienadas dos 1950’s.
      Ao menos aqui na Rainha do SERTÃO onde nasci, em St’ANA da elegância d’amigo Fábio dos 1960’s.
      Ao REDOR de comércios em BOA VIDA 24 horas escaldantes sob raios FÚLGIDOS da interrogação LATEJANTE:
      – E o buxo de Luzia, fê-lo à socapa no beco acessível de São Sebastião no CENTRO?
      http://fabiosoarescampos.blogspot.com
      > Frequentador assíduo, Fábio vê nas REDES sociais 3 tipos:
      – 1’s RINDO deles Q’odeiam Ôtos q’odeiam 1’s.
      E c’as bênçãos do Papa ADERVAL Bofão (Papa FIGO) a Ceal põe luz no BECO:
      1. Pós-eleição, encontros familiares serão Audiências de RECONCILIAÇÃO.
      2. Antes, o nome do fio d’CABRUNCO matando os ‘viados’ tudo? [21out18]
      3. Ante CACHORRO correndo de 3 viaturas SIRENANDO loucas: discutindo Política?
      Eu SÓ queria saber o q’esse cachorro aprontou: emoticons c’o polegar pá cima, mãezinhas.
      http://www.maltanet.com.br/v2/colunas/fabiocampos/ele-vai-ganhar-o-que-luzia-ganhou-no-beco

  • Zé MCZ

    A verdadeira poesia é a que vem das entranhas, que sai como a lava ejetada de tanto ser comprimida. Inicialmente é explosiva, quentíssima e vai escoando até se resfriar e tornar solo fértil. Germina e dá frutos.
    E os repentistas, emboladores, cordelistas (ou tudo junto) são os grandes tradutores do nosso dia a dia, nossa nordestinidade.
    Eu até posso às vezes buscar a literatura, a música exógenas (conhecer é preciso e não alienar), mas viver, sentir se inserido no contexto onde vivemos é incomparável!
    Não tem preço! (slogan elo)

    • Sertanejo ENLUTADO esperando Justiça e PAZ com FÉ

      Bom D +, Zé MCZ … permita-me filosofar café-com-leite PINGADO com pão, bolacha NÃO!
      um bom domingo aos PINGOS de teorema: ‘lava ejetada de tanto ser comprimida’ [ACIMA]:
      – num adiante ESPREMER, torcer ou fazer força, o último pingo é semp´re na CUECA. [Anônimo]
      Fraternal abraço, AMIGO!

  • Joao da TROÇA anarco-carnavalesca BACURAU da Rua NOVA do Sertão – em St’ANA!

    ôI, Ricardo … um BOM domingo à Paraíba c’as mulé: # eleNÃO!
    c’o MESTRE ‘Pinto Velho do Monteiro: um cantador sem parelha’ NEM milícia do bairro SANTANENSE Artur Moraes.
    Eterna BOEMIA 24 horas à Rua Tertuliano Nepomuceno ao redor da BR 316 de Maçayó (AL) a Belém (PA) via Canapi (AL).
    Uma inteligência d’atalaia, sem parelha MESTRE Pinto : 1º sem 2º na ‘vereda apertada do repente’ NORDESTINADO a ser gente!
    > A uma despreparada JORNALISTA perguntadeira VÃ: és semi-ALFABETIZADO? [ELA sim, merece APANHAR? … rsRs]
    – Não senhora, semialfabetizada é a senhora, eu sou COMPLETAMENTE analfabeto! [Kkkkk]
    CONTA o Prof Benedito Luciano (UFCG) na meRma telinha do ZAP Falço: é vero!
    http://www.ufcg.edu.br/mobile/noticias/mostra_noticia.php?codigo=20150
    Honrado em CD e livro (4a edição, 2009) de ZELITO Nunes rememorando os 1950’s:
    – O q’tão fazendo aqui estes BANDIDOS? [ROUBA mas faz SP: A’deBarros 1901-1969]
    # Procurando o CHEFE! [Poeta paraibano a GOVERNADOR larápio pré P’Maluf (PP). [26out17]
    http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.php?codigo=20150
    Seu SEVERINO Lourenço da Silva Pinto, SÍTIO Carnaubinha a légua e meia da SEDE Monteiro-PB parido em 1895.

  • JEu

    Bom dia, Ricardo… mesmo que tardio… rsrsrs… muito boa crônica… nordestina do começo ao fim… e esse sentimento de nordestinidade que não sai da alma, mesmo que alhures lá pelas terras do sul ou do sudeste (para onde vai grande parte dos nordestinos que não conseguem a dignidade do ganha pão por essas terras laboriosas mas, muitas vezes, secas….) demonstra o valor que carregamos conosco… e destas terras nordestinas são tantas as valorosas almas doadas ao Brasil, que seria quase impossível enumerá-las todas… povo de fé forte, também é um seu traço marcante… povo simples e acolhedor, porém que jamais se curva ante o desprezo ou a arrogância que se lhe queiram tratar… e, se muitas vezes é incompreendido, permanece destemido, firme em suas convicções… ante à dor e o sofrimento, sua fé mais se exalta e mais forte se lhe torna a alma… bom demais a crônica de hoje. Bom domingo.

  • Antonio Moreira

    Onde nasci:
    Ainda era criança e lembro de um violeiro cujo nome era Zé Luzia.
    Ele se juntava a outros violeiros e ali começava o “tei-tei da radiante”.

    Dia de domingo, na feira livre, emboladores de rua, de pandeiros nas mãos se “digladiavam cantando”
    para um aglomerado de pessoas, e eu também estava lá, rindo o que um dizia para o outro.

    Não sei se era assim, mas ainda lembro que ouvi isso:

    Olha, uma moça feia disse que a outra moça feia contou
    que uma tinha um roçado ai a outra feia foi alimpou
    uma pegou a faca na outra feia empurrou
    e outra morreu de feia que a outra feia matou.
    ///
    Eu não estou lhe maltratando, é um conselho que estou lhe dando,
    briga aí com o “pessoá”.

    • BARRO Duro e PESCARIA flácida SãJorJ@ndo JACAré-CIRCa 1817

      E sempre aos DOMINGOS, `à moda Ricardo MOTA … ele mostrava o PINTO puetando!
      > momento de aconchego e amizade no seu versejar de guerreiro.
      – Na casa de José Monteiro, nas quebradas do Sertão: `
      > Amigo ZÉ Monteiro, avise à sua senhora: se tivé galinha gorda, mate e traga pá fora;
      – C’u filho comendo a mãe, quem num viu, vai vê agora! [PINTO apud R Mota ARRIBA]

  • Antonio Carlos Barbosa

    Texto belíssimo, antevendo uma semana toda de aperreio, com o próximo domingo, anunciando uma velha e já passada estação, qualquer que seja o resultado.

  • SEBASTIÃOIGUATEMYRCADENACORDEIRO

    BELO E PALATÁVEL TEXTO , MATÉRIA . . . DIVERTI-ME !