Pela décima primeira vez, em quinze anos, a estátua de bronze de Carlos Drummond de Andrade foi alvo de vândalos, no Rio de Janeiro. Dizem todos os noticiários, que roubaram, de novo, os óculos que adornavam o rosto grave do poeta. Na verdade, as lentes eram, em vida, um filtro às imagens que só ele e tão poucos enxergaram no mundo dos homens.

Mas, pela primeira vez, a polícia chegou rapidamente à mão criminosa. A surpresa: era uma jovem ladra, de olhar pesadamente voltado para o chão, de um jeito que pareceu ao delegado do caso mais do que uma expressão da vergonha pela prisão.

Já na delegacia, rapidamente, o funcionário começou o interrogatório:

– O que a senhora pretendia com esse furto: derreter o bronze para vender, ou negociar a peça como um souvenir?

-… Eu só queria saber o que ele via no mundo, que eu não consigo enxergar.

Eis que, do fundo da sala, um espectro surgiu aos olhos da moça, e era impossível não reconhecer sob a pele enrugada a sisudez do rosto cansado e algo distante do poeta.

Ao se deparar com a perplexidade daquela quase menina prenhe de curiosidades e tristezas, Drummond baixou a vista e balbuciou algumas palavras:

Vi mágoa, incompreensão/ e mais de uma velha revolta/ a dividir-nos no escuro./ A mão que eu não quis beijar,/ O prato que me negaram,/ Recusa em pedir perdão./ Orgulho.Terror noturno.(1)

A garota, aflita, passou a comandar o interrogatório:

– E agora, o que você vê?

Daqui estou vendo o amor/ Irritado, desapontado,/ mas também vejo outras coisas:/ vejo corpos, vejo almas/ vejo beijos que se beijam/ ouço mãos que conversam/ e que viajam sem mapa./ Vejo outras coisas que/ não ouso compreender… (2)

Ela corou. Baixou novamente a cabeça, talvez para esconder o rosto lívido, de quem acabara – agora, sim – de ser pega em flagrante:

– Isso também aconteceu com você?

Ele assentiu com um gesto quase imperceptível.

– E o que lhe disseram? Deram algum conselho útil, quando o amor se foi, que possa servir pra mim?

O espectro confirmou e prosseguiu, pausadamente:

– Carlos, sossegue, o amor/ é isso que você está vendo:/ hoje beija, amanhã não beija,/ depois de amanhã é domingo/ e segunda-feira ninguém sabe/ o que será…  (3)

– Só que meus olhos não me contam nada, e eu quero a minha alegria de volta. Por isso, eu roubei os seus óculos. Mas parece que eles não me servem. Eu nem ao menos seis o que eu vejo.

– Vê e reflete o visto, e todos captem/ por teu olhar o sentimento das formas/ que é o sentimento primeiro – e último – da vida. (4)

– Parece fácil, pra você: tudo se pode ver para quem quer fazê-lo, o belo e o feio moram dentro da gente… Ora! Está tudo cinza, e não foi você mesmo quem disse que tem oitenta por cento de ferro na alma?

O espectro não escondeu o incômodo: agora fora ele apanhado em flagrante. Ao desviar, porém, o olhar em direção à janela da delegacia desatou a falar numa loquacidade até então desconhecida pela garota triste, prestes a receber a sua sentença:

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor (
5)

O delegado, que a nada assistira e sem saber por que, liberou a prisioneira tão logo duas delicadas lágrimas banharam o sorriso mais encantador que ele já havia visto.  

 

– Viagem em família (1)

 O amor bate na aorta (2)

– Não se mate (3)

 O que Alécio vê (4)

 A flor e a náusea (5)

 

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  • R Cavalcante

    Muito bom !!! Genial!!!

    • Joao da TROÇA anarco-carnavalesca BACURAU da Rua NOVA do Sertão – em St’ANA!

      Assinando em baixo em ALTO e bom SOM, R Cavalcante!
      Grande RICARDO em dose KopaKabanâniKa neste BOM domingo enso[LP]raiado!!!
      Café com PÃO roendo ruídos de bolachas 78 RPM da voz carioca de Emilinha [1923-2005].
      À revelia d’injustiças ao TqT NETO piauiense [1944-1972] agora espectro justiceiro MELOSO de bar a TEMER cheio de CANA xaÇina vampira.
      > COR num s’percebe.\ PÉTALAS num s’abrem. […] É FEIA – realmente FLOR!
      [R Mota acima] … tbém n’@bertur@ d’Ulim-PIADA 2016, vale à PENA veRde NOVO?
      > Original com Dona FERNANDA Montenegro na língua MÁTRIA de Caetano.
      – Versão INTER empatado com CRB dublando Mrs Judi Dench in english YES!
      [2min20s], https://vimeo.com/177974499

  • JEu

    Bom dia, Ricardo. Bela peça de ficção… fala da vida vivida intimamente por cada um… cada qual que escolha o “chapéu” que lhe cabe… assim é a vida… vida que quase ninguém enxerga pois não consegue se colocar no lugar da outra pessoa… falta-nos muita empatia, hoje em dia… e quando conseguimos ver um pouco da “alma” da outra pessoa, normalmente nos surpreendemos… quanta vida, quantos sentimentos, quanta dor na maioria das vezes… e simplesmente refletem nossa vida, nossos sentimentos e nossas dores… excelente texto. Bom domingo.

  • wal

    Reflexão…
    1) Não se tem mais tempo para ler.
    2) Não se tem mais tempo para pensar.
    3) Não se tem mais tempo para analisar.
    4) Não se tem mais tempo para ouvir.
    5) Não se tem mais tempo para perdoar.
    Já não se chora mais por arrependimento.
    Para ir ao uma igreja… não se tem mais tempo.
    Parece que há um tempinho; para roubar…

  • Rita

    Tocante. Pelos dois: Drummond e o cronista.

  • Nelson

    Caro Ricardo ! Tudo neste País é depredado, a Política, a Justiça, a Moral. Se colocarem um daqueles carros alegoricos horrorosos de carnaval em Copacabana, aí sim toda a Sociedade vai olhar e adorar, como se fosse uma mensagem de Deus de um significado inescrutável. Pra mim este Pais acabou, e já faz algum tempo.

  • Antonio Moreira

    Talvez esteja fora do contexto da crônica acima, mas a gente vivencia coisas:
    No mesmo ambiente, humanos são mobilizados para parabenizar uma pessoa.
    Não importa a conduta dessa criatura, o que interessa é o que pode barganhar/ganhar com essa criatura.
    Logo, os mobilizados não são lembrados respectivamente para um simples parabéns.
    O humano teima em tirar vantagem do outro humano.

    Vejo uma mocinha com uma educação acima da média, inteligente , sorridente e comunicativa passando por momento psicológico seriíssimo… e tantos outros casos.

    Senhor, senhor tem piedade de nós.

  • Robson Costa

    Simplesmente perfeito…senti as lágrimas dela em minha face.

  • Há Lagoas

    Excelente.
    Boa semana a todos.

  • Mucio Góes

    sorte de quem tem diariamente um Drummond no meio do caminho.

    show!

  • Judson Cabral

    Amigo Ricardo,belíssima crônica;vivemos no cotidiano do país,o grande dilema entre o “ver”e o “enxergar”;o saudoso Drummond tinha nas lentes e na alma algo mais que nós mortais; você enxerga um pouco mais.Parabéns.

  • Ronaldo

    Bela reflexão meu amigo. Tudo muito atual.

  • Oliveira

    O tema poderia ser também um dedo de prosa).Ricardo Mota, mas da forma que o senhor colocou parece que tô na conversa parabéns

  • carlos

    kkkk, Excelente se esses óculos pudessem percorrer o nosso Brasil…Aqui em Alagoas, ele ia passar um bom tempo e na minha cidade de Coruripe, o enxergar pense estar ruim..

  • Juvenal Gonçalves

    Parabéns Ricardo!!!