(Do poeta Sidney Wanderley, recebi o belo texto abaixo. Publico-o sem ao menos consultar o autor).
        “Sou de uma geração que nasceu com o nascimento da Bossa Nova, que teve sua infância ninada pelos acordes agitados e pelas letras ingênuas da Jovem Guarda, ao lado do surgimento dos luminares da MPB nos festivais musicais da década de 60, e que adolesceu com a voz rascante e as canções quilométricas (à la Bob Dylan e Leonard Cohen) do cearense Belchior. Em seguida, e lamentavelmente, viriam a lambada, as duplas sertanejas, o axé e outras presepadas que me poupo de mencionar.
      
       Cursava o primeiro ano de um curso que jamais concluiria, o de Medicina na Ufal, quando descobri aquele sujeito de rosto quadrado e bigode convincente, a se declarar, como tantos de nós, “apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”, e que nos prevenia que “qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”; que apesar de 68, “ainda somos (éramos) os mesmos e vivíamos como nossos pais”; que não estava interessado “em nenhuma teoria, nem nessas coisas do Oriente, romances astrais”, pois sua “alucinação é (era) suportar o dia a dia” e o seu “delírio é (era) a experiência com coisas reais”.
       
        De imediato, apaixonei-me por suas canções, a começar por “Na hora do almoço”, por seu inconformismo que ia para além da ideologia e da política, porquanto era o inconformismo dos verdadeiros revolucionários – o inconformismo existencial, um bocado desconfiado e arredio às fáceis soluções que a dicotomia capitalismo versus socialismo real nos ofertava. A vida, em seu sentido mais amplo e em sua dimensão mais aguda, como “os pneus n’água das ruas”, “a cem por hora”, pulsava louca em nossos desavisados seres. “Como é perversa a juventude do meu coração, que só entende o que é cruel, o que é paixão”.
     
        Nessa época, éramos “alegres como um rio, um bicho, um bando de pardais”, alegres “como um galo, quando havia galos, noites e quintais”. Hoje, o acúmulo dos desencantos, das ilusões dinamitadas e dos sonhos renunciados tornaram-me “mais angustiado que um goleiro na hora do gol”. Pouco importa, pois “enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não”, Belchior seguirá cantando pelos anos – certamente não muitos – que me restam.
     
        Este ser iluminado de Sobral foi algo como um meteoro que luziu no céu da MPB por alguns anos da década de 70. Depois cessou, pois nada mais produziu de relevante até se perder num exílio gaúcho de difícil decifração. Por que durar é melhor do que inflamar?, argui Roland Barthes. O risco feérico desse meteoro seguirá iluminando este tempo obtuso, esta quadra obscura, este tedioso início de milênio em que, sem bússola nem astrolábio, e com rala esperança, como zumbis nos movemos.
       
         “Quero desejar, ANTES DO FIM,/ para mim e os meus amigos,/ muito amor e muita paz./ Que fiquem sempre jovens/ e tenham as mãos limpas,/ e aprendam o delírio com coisas reais”. A bênção, meu estimado e admirável Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes.”
Aliados de Renan temem novas operações da PF em Alagoas por ordem de Fachin
Marco Fireman volta à mídia nacional com licitação no Ministério da Saúde
  • Claudio Frassy

    Professor Sidney,” quem dera a juventude a vida inteira, vida mi nhã adolescente companheira, o perigo e a vertigem me atraem…”

    • Noberto Tenório

      Eu escolhi a vida como minha namorada…Com quem vou brincar de amor a noite inteira ?

  • Frederico Farias

    Parabéns, Sidney; meus respeitos, poeta.

  • Jordan Costa

    Valeu amigo Ricardo! Parabéns poeta Sidney!

    “O risco feérico desse meteoro seguirá iluminando este tempo obtuso, esta quadra obscura, este tedioso início de milênio em que, sem bússola nem astrolábio, e com rala esperança, como zumbis nos movemos.”

    Sugestão: Seria importante uma forma de prestarmos uma grande homenagem ao poeta Belchior que não teve a oportunidade de ter as composições reconhecidas em vida.

  • Joao da TROÇA anarco-carnavalesca BACURAU da Rua NOVA do Sertão – em St’ANA!

    Condolências do SERTÃO desde St’Ana com migrantes no litoral …”p’o ALTO/ p’o BELELÉU [I Assumpção]/ p’o céu [R Carlos]
    [Q Td + vá pU céu], Belchior, https://www.letras.mus.br/belchior/1743183
    … “REDE branca/ CACHORRO ligeiro […] CHARME brasileiro d’alguém sozinho a CISMAR.
    … “1o grande PORRE […] ALUCINAÇÃO 1976 […] aguardente KARIRI com K: 1a dor de AMOR.
    … “Drummond, R Carlos, L Gonzaga e c’o avesso de C Veloso – “nad’É divino/ maravilhoso! [FOI “embora sorrindo, sem ligar para nada”], Xico SÁ
    http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/01/opinion/1493600697_607781.html
    De SOBRAL no Ceará “Com AMOR” [14 ENSAIOS, 96 págs, R$ 10 – Miragem 2016 org R KELMER], 06out16
    http://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2016/10/livro-para-belchior-com-amor-reune-historias-inspiradas-na-obra-do-c.html

  • Iluminista

    Em curto espaço de tempo perdemos dois ídolos da juventude romântica da década de 70 “Jerri Adriani e Belchior”.

  • JEu

    Com certeza vai retomar sua trajetória de aprendizado da vida e das coisas boas e belas em outras paragens… cósmicas… Quanto ao texto, aplaudo pedindo bis…

    • Joao TT

      * Eu NUM tô interessado em nenhuma TEORIA/ fantasia – ou melodia
      – A minha ALUCINAÇÃO é suportar o dia-a-DIA – preto, pobre, ESTUDANTE, mulher sozinha
      * E a SOLIDÃO das pessoas dessas CAPITAIS – cravos, espinhas no rosto, ROCK Hot Dog play it COOL, Baby!
      – AMAR e mudar as coisas…m’INTERESSA mais [ALUCINAÇÃO, 1976]
      http://www.vagalume.com.br/belchior/alucinacao.html ]

  • Cidinha Madeiro

    Grande poeta Sidney Wanderley! Belo texto reverenciando o grande Belchior, tão questionador e verdadeiro feito você. ” E eu não posso cantar como convém, sem querer ferir ninguém/ mas não se preocupe meu amigo, a vida realmente é diferente, quer dizer, a vida é muito pior…” Belchior embalou nossa juventude. Deixa belas canções e agora segue em paz…

  • SIDNEY WANDERLEY DE LOPES LIMA

    Ricardo, que grata surpresa a publicação do texto em homenagem a este compositor que tanto enriqueceu a minha e a sua adolescência – e lá se vão mais de quarenta anos de vida e amizade partilhadas. Velhos tempos em que líamos o Pessoa e trazíamos os olhos rubros de ver o verde da cana, como cantaria nosso querido Belchior em “Galos, noites e quintais”. Que Montaigne, nosso outro amigo comum, nos ampare nas descidas e nos solavancos com que a vida sacanamente nos tem presenteado. O sempre forte abraço do Sidney.

  • Joilson Gouveia Bel&Cel RR

    VOLTANDO AO INTERIOR, E “SEM DINHEIRO NO BOLSO”!
    Joilson Gouveia*
    Mais um brilhante testemunho isento, imparcial, verdadeiro, real e até sentimental (registrado neste “tributo”) de que “éramos felizes” – Ah! como fomos felizes! -, mas os “revolucionários do coletivo-igualitário” (de então e os atuais) de uma utópica sociedade-igualitária e justa ou ideal (futura) – como diziam antes! -, que nunca chegou nem chegará – pelo menos até agora, nem aqui nem em nenhuma outra parte do globo – porque o futuro do ontem é o hoje, o já e o agora, que resultou daquela rebelada anelada redemocratização (como se não vivêramos numa democracia, na época!) nessa atual conjuntura política-social-econômica-jurídica-militar desnudada pelas mais diversas operações-policiais federais, que alguns outros oriundos do interior encheram não só seus bolsos!!
    – os “revolucionários”, que haviam sido presos na “ditadura”, estão presos, na atual “democracia”, e, ainda assim, há centúrias de legionários atuantes tidos como “revolucionários” – ainda dizem saber da história ou da historiografia nacional!
    Eh! O “rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso, sem amigos importantes…” voltou ao interior, de onde partira, para ficar na memória dos que foram felizes, como fomos nessa época áurea… Que siga em paz!
    Parabéns ao autor, pelo justo tributo post-mortem!
    Abr
    *JG

  • Claudio

    Parabéns Sidney poeta e intelectual da nossa querida Alagoas, relembrando os velhos tempos que a música tinha qualidade e que eram tempos áureos tão rico na nossa cultura. Bons tempos dos anos 80 do Colégio Marista do nosso Professor.

  • Cidinha Madeiro

    Sidney Wanderley esqueceu de dizer a emoção de se perder numa pequena rua do Francês.
    Ou então nos baseamos em Belchior … “Quero esquecer o Francês…”