Quando eu estava ali pelos meus 18, 19 anos, me encantei com um livro, Liberdade sem medo, do educador e psicólogo Alexander Sutherland Neill. Contava as suas experiências em uma escola infantil, criada por ele, onde a liberdade era total, na base do “cada um faz o que gosta”.

Não sei o destino daquelas crianças, que agiam sem qualquer repressão, nem um puxãozinho de orelha (metafórico, gente), e que estariam, na expectativa de Neill, condenadas a ser felizes. Pergunto-me agora quantos se tornaram Dr. Jekyll ou Mr. Hyde.

Sim, porque os dois “senhores”, imortalizados por Stevenson (O médico e o monstro), moram na essência humana desde que a espécie surgiu, assumindo o topo da cadeia alimentar para nunca mais entregar o troféu máximo da Natureza Selvagem.

É corriqueiro ouvir, a cada geração (inclusive na minha), que os “valores estão desaparecendo”, como se a deterioração da alma humana fosse o resultado do progresso tecnológico e/ou material em curso. Os “valores” de que tratamos hoje já pareciam engolidos pelo buraco negro da história humana desde os tempos imemoriais, nos primórdios da Civilização.

Quais seriam essas virtudes?

Empatia? Generosidade? Altruísmo? Solidariedade? Compaixão? Respeito aos diferentes?

Estes valores fizeram e fazem falta em todas as sociedades, em qualquer tempo da história conhecida. É verdade que alguns países são considerados mais felizes, mas a motivação é outra. Neles, as instituições funcionam melhor e fazem prevalecer tão somente a última das virtudes acima mencionadas: é o respeito que torna a convivência social possível. O segredo? Vale o que está escrito: é cumprir ou arcar com as consequências.

Aliás, leis, normas sociais e assemelhados são criados por causa dos excessos humanos – do Mr. Hyde –, e não pela nossa benevolência. Mas ninguém aprende a ser empático, altruísta, solidário “no cacete”, ou motivado pelo medo ou pela vergonha – que surgem como primos-irmãos no nosso processo civilizatório. Estes freios haverão de nos trazer outros ensinamentos.

É claro que conviver em um ambiente de afeto e conforto anímico ajuda – e muito – na construção de um ser humano que pode melhorar a espécie, ainda que isso não seja garantia de uma herança genética do “bem”.

Precisamos, sim, de algum tipo de controle – todos. Um olhar fiscalizador, mesmo que não seja deste mundo, o que garante às religiões, em regra, um papel de contenção guerreira absolutamente indispensável ao convívio cotidiano em todos os ambientes.

As grandes potências mundiais vivem um longevo tempo de paz graças à ‘democratização’ da bomba atômica. Não há reciprocidade mais indesejada do que o arremesso deste brinquedinho do homem no quintal alheio. (E se o Mr. Hyde tiver um telefone vermelho?).

De novo, o medo.

Sobre a vergonha, perturbadora, disse Tertuliano, em Apologética:

– Pensai antes em fazer o sangue subir ao rosto de um homem do que em derramá-lo.

Estaria prenhe de razão, o homem de Cartago, não houvesse um bando inestimável de sem-vergonha espalhado pelo planeta – conhecidos até por um número, em terras tupiniquins: 171.

Para estes, valor é preço – e ponto final.

Para os homens comuns, entre os quais eu me incluo, toda vigilância é necessária, principalmente de si próprio (consciência é o seu nome), pois bem sabemos que há sempre um vulcão prestes a entrar em erupção, lá onde não conseguimos alcançar, dependendo apenas das condições de temperatura e pressão.

Lembro-me de que no período que antecedeu o referendo do desarmamento no Brasil, me dispus a ir a vários lugares para debater o tema. Falei para estudantes, grupos organizados, clubes de serviço, sempre defendendo “arma zero”.

Claro que nem sempre fui bem recebido. Em uma dessas oportunidades, terminada a minha pregação recheada de dados sobre a situação de vários países em relação ao belicismo, fui provocado por um iracundo médico, com um argumento tão comum quanto tolo:

– Quem mata é a pessoa, não a arma. Assim como quem mata é o motorista, não o carro.

– Mas eu não conheço ninguém que tenha comprado um carro para matar alguém.

O sujeito subiu nas tamancas e fez a sua última provocação:

– Eu sei que você não possui nenhuma arma. Aliás, a arma só faz medo na mão de um homem.

De forma leve, encerrei o nosso “amigável” diálogo:

– Eu tenho medo de possuir uma arma exatamente por ser humano.

Ali, estava claro, já não falávamos a mesma língua.

 

Três pesquisas serão divulgadas na última semana da campanha
Aos comissionados que reclamam da pressão para plotar seus carros
  • Rocha.

    PARABÉNS GRANDE TEXTO, MAS, A PIOR DAS ARMAS É ENGANAÇÃO E MENTIRA POLÍTICA, QUE MATA E ESTÁ MATANDO NOSSA REAL DEMOCRACIA!!!

    • Joao da TROÇA anarco-carnavalesca BACURAu da Rua NOVA em St’ANA

      Na Escola de SUMMERHILL – na Inglaterra – criada pelo AUTOR citado é raro ver crianças e adolescentes BRASILEIROS. A nossa FILHOTAGEM, ao que parece, seria incapaz de CON-viver sem faxineiras nem cozinheiras, sem mi-MI-mis … rsRs
      _ https://pt.wikipedia.org/wiki/Summerhill_School
      E assim, BRASILEIRx$ endinheirados se AMEDRONTAM aparecem e logo desaparacem, cOusa de MESES. De gentes de Alagoas nem notícias HÁ! … Kkkkk
      _ http://www.summerhillschool.co.uk

      CRIADA por Alexander Sutherland Neill (1883-1973, aos 90 de IDADE) é um ESCOCÊS RADICAL defensor da liberdade com RESPONSABILIDADE desde criOnça, um dos pioneiros da discussão TEÓRICA da gestão DEMOCRÁTICA nas escolas:SUMMERHILL funciona com uma CONSTITUIÇÃO de cerca de 150 artigos, por exemplo. A cada mês as pessoas – alunXs e professorxS, mais funcionáriXs – se reunem pra AVALIAR a Carta que DIGNIFICA a relação LIVRE entre pessoas EDUCADAS.
      _ https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexander_Sutherland_Neill
      POIS … a 1a LIÇÃO de CIVILIZAÇÃO é a OBEDIÊNCIA [H Arendt]
      e a filósofa ALEMÃ Hannah ARENDT (1906-75) faz parte do REPERTÓRIO de Ricardo MOTA, creio, _ https://pt.wikipedia.org/wiki/Hannah_Arendt

  • JEu

    Bom dia, Ricardo… êpa, que o tema é complicado… falar de seres humanos… nem sempre tão “humanos” é coisa pra lá de difícil… pois é, talvez se pudéssemos falar ou ouvir conselhos diretamente daqueles que foram considerados “santos” (sem ser precisamente da religião católica, como é o caso de Marathma Ghandi… desculpe de cometo algum erro de grafia…) para saber se os seres humanos são, inevitavelmente, “possuídos” pela síndrome do Dr Hyde e seu oposto… ou seja, se estamos, geneticamente, “condenados” a sermos bons e maus tudo ao mesmo tempo (dependendo das circunstâncias, como dito acima)… e se todos necessitam sempre de uma “supervisão”, nem que seja “religiosa”… Agora, e se Deus realmente existe?!!! como fica a estória (ou será história?)… ou seja, o que realmente somos: simplesmente corpos biológicos viventes … almas ligadas a um corpo… ou espíritos ligados, temporariamente, a um corpo, conforme nos afirmam “religiões” ou “seitas” religiosas?… finalmente, é para as pessoas “aproveitarem” de “tudo” na vida ou é para as pessoas “aproveitarem” de tudo na vida para aprender alguma coisa para o futuro?!!!! Eita que tá é “tudo” difícil nessa vida… Bom domingo, Ricardo.

  • Norma

    É isso, meu caro Ricardo: valor é a consciência, o preço é o que pagamos quando ela nos falta.
    Ótimo texto, mais uma vez.
    Aproveite o domingo.

  • Há Lagoas

    É importante salientar que você pode discordar das ideias, mas precisa respeitar e compreender o ser humano que as defende.
    Tenho uma grande admiração por você Ricardo, independente de sua paixão esquerdista. Mais sua essência – e é isso que importa – faz de você e suas crônicas algo singular, proveitoso e edificante.
    A confrontação de ideias é algo necessário para que possamos complementar ou rejeitar de acordo com os princípios de cada um.
    Sobre o desarmamento da população civil, não entro no mérito da natureza humana beligerante – não sou e nunca fui um rousseauista – mas é interessante saber que tanto o nazismo como o comunismo sempre defenderam a proibição de armas pelos seus próprios cidadãos comuns. Contudo, a utilização de uma arma não pode ser feita sem regras rígidas.
    PS. Também discordo de você torcer pelo CRB, kkkkkkkkkkkkkkk.

  • Antonio Moreira

    Essa semana, enquanto a coordenadora olhava a pasta de um aluno,
    o estudante chorava silenciosamente. Eu o abracei – conversava e morria de pena dele.
    Cá comigo: tem piedade desse inocente de 7 anos idade!

    O que seria da profissão(advogado) do meu filho, se o homem não prejudicar a vida do outro?
    O que seria das seguradoras se os índices fossem baixos: de roubo, violência e acidente de trânsito?
    Por que pago plano de saúde e escola particular?
    Por que pago compulsoriamente imposto de renda? Se juntar as minhas rendas mensal não chegam nem perto dos auxílios que as autoridades recebem! Os auxílios são tributados para IR ?
    Para que serve arma de fogo? Já pensou o sossego da polícia/família se tirar de circulação esses objetos de matar?

    Qual o benefício direto que o povo tem com tribunal de contas,
    tre, câmara de vereador/assembleia/senado/supremo e etc ?
    O custo é muito alto.

    O povo precisa de educação, saúde e segurança.

    Agora, compare a média individual de salário dos servidores que o povo precisa e com os servidores “especiais” onde o povo quase não precisa.

    Por que as escolas de samba do Rio de Janeiro fazem sucessos todos os anos?

  • Alfredo

    No “popular”: onde o SOCIALISMO deu certo? falando difícil:errare humanum est!!!

  • Joilson Gouveia Bel&Cel RR

    HÁ VALOR OU PREÇO AOS TUTELADOS PELOS DIREITOS DOS MANOS
    Joilson Gouveia*
    Havendo, pois, sã consciência, tino, bom senso ou a mais mínima inteligência, sobretudo responsabilidade, capacidade, habilidade e qualificação quando de seu uso dentro das normas, regras, resoluções e leis de tráfego e trânsito, é certo, correto e justo ou provável de que ninguém compraria um veículo para matar alguém atropelado, malgrado haja a provável probabilidade e possiblidade de o fazê-lo, e diga-se o mesmo quanto a aquisição de uma arma – ninguém a compra para matar alguém, ainda que haja a real possibilidade de o fazê-lo – compra-o para seu uso e a arma, para sua defesa e de sua família, mas, ainda assim, tanto num como noutro caso, urge que seja um exímio motorista ou, no mínimo, um bom atirador, para fazê-lo: matar alguém.
    Em ambos os casos, pode ocorrer eventualmente, negligência, imprudência e imperícia nos seus usos, e/ou até mesmo o dolo, a vontade e intenção de o fazê-lo; claro!
    Contudo, em ambos os casos, nem a arma nem o carro matam sozinhos, pois que precisam de um agente para ultimar seu intento, conforme o fim que se lhes sejam dados! Assim como nem todo motorista é um assassino, embora o seja em potencial, o possuidor e portador de uma arma também não é-o, inda que possa fazê-lo; ou não? Aliás, tenho a ambos e suficiente conhecimento, habilidade, capacidade e qualificada perícia em seus usos, no entanto, nunca atropelei nem matei a seu ninguém!
    Enfim, tanto num caso como noutro, é preciso ser preciso nos seus usos; ou não? Para se habilitar a dirigir exige-se exames, perícias, treinos, cursos, testes e provas, assim há de sê-lo quanto ao direito de possuir, ter, portar e usar uma arma, mormente sendo um cidadão de bem, honesto, honrado, decente e digno trabalhador, para sua defesa própria e de sua família ou de terceiros, haja vista que os meliantes, bandidos e marginais ou os delinquentes infanto-juvenis tutelados pelas “Marias-dos-Rosários-da vida” e ECA as tem e não hesitam nem titubeiam em mandar suas vítimas “às cidades-dos-pés-juntos”, nem sequer avaliam o “valor e o preço” da vida de um ser humano! Ou não?
    Abr
    *JG
    P.S.: uns esquerdistas diriam: “é preciso dar uma segunda chance e oportunidade ao meliante ou a todos delinquentes infanto-juvenis e mirins”, cujas coisas suas vítimas não tiveram, não têm nem terão se caídas ou se caírem em suas mãos armadas! Ou não?