A chuva tombava com força, sem freios, como se não pudesse mais suportar o peso do próprio corpo lá em cima.

As gotas grossas que caíam escorriam sobre o rosto dela, dos cabelos ao queixo, como se tentassem desfazer em pinceladas selvagens o formato perfeito de uma boca que sabia a beijos.

Eu passava por ali ao acaso, ia trabalhar – apenas isso. Segurava o guarda-chuva para me proteger, mas me pareceu inútil. Parei e a cumprimentei, um tanto atabalhoado. Vi-a ali como quem descobre uma nova paisagem, um mundo ainda intacto e desconhecido pelos homens.

Se bem, confesso-lhes, que já passeara tanto os meus olhos de espanto sobre a sua pele nua, conhecia suas curvas, a textura das suas carnes, os escaninhos que um homem busca nas horas em que a racionalidade sucumbe, ou quando o tato passa a ser o mais imprescindível de todos os sentidos, guiado tão somente pela libido.

Não sei por quê, mas aquela imagem era muito mais do que eu já tinha visto. Era como se a chuva, inclemente, torrencial e incontida, expusesse ao mundo uma musa, uma ninfa, une femme fatale, a espalhar perigos, e que se guardava para tempos de inverno. O que eu enxergava, então, haveria de estar oculto e se abria ao mundo inaugurando seu próprio verão.

Os seios tesos avançavam sobre o vestido de tecido solto, agora colado a eles como se um não existisse sem o outro. Os bicos, em forma de verrugas, assim mesmo, de superfície irregular, estavam ali feito dois vulcões simétricos que resolveram, de repente, eclodir, trazendo à flor da terra o incontido fogo de suas entranhas.

(Por que só agora eu os descobrira assim, irresistivelmente sensuais, provocando-me uma inesperada vertigem, quase me levando ao chão?)

O pano ensopado – uma fazenda barata – ia delineando a fortuna que carregava aquela mulher.

Atarantado, sordidamente, dissimuladamente, dei um giro que me pôs frente a frente com o seu dorso, colado à nova e encharcada pele. Dividido ao meio, como um rio a correr para o oceano, em leito fundo, mas de bordas suaves. E a chuva seguia desavergonhada até atingir um espaço mais estreito a separar duas elevações, suas nádegas, que anunciavam frio, encobertas tão somente por uma pequena peça triangular – dava para se ver – de furos miúdos, que meu olhar loucamente imerso contava um a um.

Sim, gente, eu avisei: já admirara e apalpara “o corpo que me deixou morto de tanto prazer” em repetidas noites. Não o vira, porém, com os detalhes que agora saltavam aos meus olhos, excitados pelo melhor dos alimentos do desejo: a imaginação.

Nunca, nunca foi tão bela, aquela mulher, quanto numa manhã de chuva.

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  • SEBASTIÃO IGUATEMYR CADENA CORDEIRO

    TJA P. . . . . TARADO ! CHAMEM A PULIÇA ! KI-KI-KI — KI-KI-KI . . . ÔMI !

  • Há Lagoas

    Chuva abençoada, pena que eu viva em pleno sertão…

  • j.Monteiro

    É isso aí meu caro Ricardo Mota, chegamos a uma idade (o que não é seu caso) em que revelar nossos devaneios da juventude causa risos e, dissimuladamente, acaricia nosso ego. Isso é viver a vida, isso é viver.

  • Vania

    Este é o olhar da delizadeza. Belo.

  • JEu

    Prazeres passados, presente na mente…! E como disse um dia um poeta do amor humano: “e viva a diferença”!

  • Edimarjsilva José da Silva

    Sou alagoano de Batalha e vez em quando leio sua Coluna ao Domingo, apesar de morar BH/MG. Hoje, meu caro jornalista, você se superou ao falar da chuva… Que estes respingos domingueiros se reproduzam como as flores na Primavera.
    Gostei da reflexão. Parabéns. Edimarjsilva.

  • Memória

    Não foram poucas as vezes que também choveu na minha horta.

  • Antonio Moreira

    A “coisa” é o guarda-chuva.

  • Eduardo Lopes

    A chuva torna a natureza mais bonita, a flor mais atraente e fruta mais saborosa. Excelente texto.

  • Giuseppe Gomes

    Essa irracionalidade incontida, a libido despertada por detalhes nunca antes percebidos, são parte da natureza dos animais chamados humanos. Belo texto, caro escriba e que venha a chuva!