Se é de todos passar, pois que assim venham de lá também comigo. Sem pressa, vos peço.

Aprendi a desafiar a morte exatamente porque cuido, hoje, de glosar da vida aquilo que já não me apetece. Descobri o grão da existência tirando-lhe o sumo amargo que dela se esvai quando apodrecem os nossos mais doces frutos.

Digo-vos: mais morto eu já estive. Agora, os dias me dão as horas de que eu preciso, não mais as que excediam com dores sem razão ou prenhes dela.

Ao me apresentarem à tão soturna senhora, não me imaginem a temer a foice que lacera mais quem fica do que aqueles que se acreditam partindo. Apelo-vos, pois, que espalhem alguns pedaços do que a vós há de parecer imprestável.

A parte de mim que ouve até o que não mais quer há de ser depositada ao lado de um piano jobiniano: melodioso, preciso, harmonioso e também vulgar, que o Maestro foi soberano até nos seus saberes mundanos.

Do meu olhar, e só eu sei o que ele foi capaz de enxergar, deixai o que “mira e vê” esmagado entre páginas de Rosa, menos pétalas, mais espinhos, sofrendo as dores de Riobaldo Tatarana, tentando andar para trás, palavroso, até enfrentando o “coisa-ruim”, tudo, tudo, para desfrutar o que nunca teve e mais desejou.

O que me levou adiante, mesmo quando claudicante, ah sobreviventes, querê-lo-ia, se possível, correndo pela Buarque de Macedo à velocidade da luz da lua, suave e brejeira nos tempos que só a memória pode inventar.

O baticum do peito, este será dos que me fizeram saber do afeto; um tanto, também, dos amores que invadi, sem atinar se era presa ou predador.

A minha alma… Bem, a minha alma é melhor deixá-la do jeito que já anda por aí, vadia, solta como é. Se não acreditam, ela sempre foi aonde o corpo recusou-se a chegar.

Nunca saberão – todos, ninguém – em que plagas eu estive sem deixar rastros, mas fui tão longe quanto qualquer viajante que gastou todos os seus cobres, ou os navegadores que se estropiaram em travessias de mares e monstros.

Por último, sim, eu quero deixar saudades, espalhadas, comovidas, minhas, mas só quando elas, enfim, não me fizerem mais tanta falta.

Quais secretários vão repetir Gaspar de Mendonça na negociação dos demais servidores?
União reduziu drasticamente financiamento do SUS em 10 anos
  • Gustavo Pinto

    Maravilha!!!! Bom demais começar o domingo com tão belo texto.

  • SEBASTIÃO IGUATEMYR CADENA CORDEIRO

    COMO SÓI ACONTECER , MAIS UMA VIGOROSA INCURSÃO
    AO ÂMAGO DE SUA PRÓPRIA EXISTÊNCIA , REVELADA COM EXTREMA HABILIDADE . . .

  • George

    Simplesmente sensacional!!

  • JEu

    Gostei muito da reflexão… Muito embora considere que a vida é uma dádiva sem fim… Acho que, quando partimos desta e deixamos saudades é porque soubemos viver bem com as outras pessoas que nos rodeiam… Porém, creio, que, como diz o sábio ditado popular: sempre “partimos desta para uma melhor”… pois a vida sempre continua… para os dois lados…

  • Há Lagoas

    És um homem de princípios, e tua alma vai deixar legados apontando a direção.
    Neste frio de Londrina, é muito bom ponderar sobre finitude e eternidade, homem e alma.

  • Antônio Lúcio

    A vida tem mistérios e cada um deles se revelam em textos como este. O que fui não serei e o que serei não sei ainda. Por isso vivo, pois viver é o que nos resta ainda.

  • Roberto

    Parabéns ao Jornalista, muito bom texto. Erudição pura. Só que acho que as palavras devem chegar a gregos e troianos.

  • Julieta de Medeiros

    Nem Rosas, nem Jorges, nem Pessoas, é o Ricardo, o Mota, que me leva todos os domingos a saborear os mistérios profundos e negros de nossas lagoas e vidas.É matuto das Alagoas,e dos bons.

  • Giuseppe Gomes

    Parabéns mais uma vez, Mestre! Justamente no dia em que entro para a “melhor idade”, brinda-nos com um texto de tamanha profundidade. Que venha a “marvada”, pois já passeei pela vida, desbravei mares revoltos, amei em camarinhas secretas e deixo raízes plantadas em quatro rebentos. Acertei e errei muito mais tentando “mudar o Mundo”, mas ele é muito mais cruel que qualquer ditadura e nos faz endurecer os olhares e o coração. Não mudei nem a mim mesmo… Viví e isso basta!