Mulato inzoneiro
Muita gente se surpreende quando conhece o moleque que ainda mora em mim e que me ajuda a viver. Asseguro-lhes: de perto, eu sou mais normal do que possa parecer.
Aos que me acham sisudo, carrancudo, sinto desfazer a imagem, mas eu sou mesmo é um tanto ‘enmimesmado’, tímido, certamente. Parafraseando Chico Buarque, “pudesse a vida escolher, era talvez ser distraído, o que mais queria ser”.
Não posso me queixar de como as pessoas me tratam em regra, com uma cordialidade reverente, é certo, mas sempre de forma generosa, para além do que eu pudesse até desejar.
Mas alguns tipos populares, em particular, me enchem de uma simpatia que me agrada sobremaneira, principalmente porque é um aceno de humanidade, completamente desinteressado e, eis o fundamental, sincero.
O primeiro de que trato aqui é um vendedor de rosas da orla marítima. Ele perambula nas noites, pelos bares, oferecendo o seu romântico produto aos casais apaixonados ou nem tanto, sempre com um imenso sorriso como cartão de visita.
Pedrinho, é assim que ele se chama, se apresenta a distância: “Grande Ricardo”, me capturando dos pensamentos que carrego nas minhas caminhadas ou corridas noturnas. Ato contínuo, estende a sua mão adiante para um cumprimento que ele não dispensa, mesmo quando eu lhe digo que “estou muito suado”.
O “homem das flores”, como o trato, não imagina o bem que me fez em uma noite em que chovia na minha alma. Despretensiosamente, assim do seu jeito espontâneo e sem cálculos, me ofereceu uma rosa. Um gesto de rara gentileza que me devolveu a harmonia com a vida: o inesperado me fazendo uma bela surpresa.
E aí me vem à lembrança o negrinho despachado dos seus 12, 13 anos, talvez nem isso, que anda por ali, entre coqueiros e pessoas que não lhe notam a presença, e me aborda com voz audível o suficiente para que os demais passantes se deem conta de que ali vai, como ele anuncia, o “Ponto Crítico”:
– Ricardo Mota é Ponto Crítico.
Ruborizo, discretamente, e sigo em frente.
Um dia desses, ele resolveu ir mais longe na sua “conversa”:
– Ricardo Mota, já fez o Ponto Crítico de hoje?
Confirmo com o dedo polegar e vou andando, um tanto desconcertado. Ele ao lado, me acompanhando e falando:
– O Ponto Crítico é forte. Aquele do… foi demais!
Se o tivesse conhecido, Ary Barroso diria que se tratava do autêntico “mulato inzoneiro”, no sentido que lhe deu o poeta em seu inesquecível samba-exaltação Aquarela do Brasil, sem maiores cuidados com a “plateia” que já me identificara, ainda que eu torcesse para que isso não acontecesse.
E ele, sem cerimônia:
– Esse Ricardo Mota fala muito direitinho, viu?
Gargalhando por dentro, só pude pensar: “Folgado, hem?”
Poucos sabem o valor intrínseco que um jovem humilde desse carrega. Ele teve sorte ou ainda tem sorte de abordar o Jornalista num momento de bom humor. Essa sorte eu não tive, até tentei, numa fila de supermercado, ensaiar uma rápida e cordial conversa com o grande jornalista, mas senti uma notável repulsa, então, uma forte intuição pediu para que eu ficasse na minha.Enfim, continuo lendo os textos do nobre Jornalista, escutando, quando retorno para a minha casa, o doze e dez notícias e assistindo aos vídeos do ponto crítico.
Por que faço isso?
Porque o importante é ser do bem. Além disso, mesmo não se aproximando mais do Jornalista, inclusive quando o vejo nos lugares públicos, continuo respeitando o seu trabalho.
O que acabo de escrever é um desabafo e uma reflexão.
Resposta:
Meu caro Valdemir:
Tente de novo, por favor.
Pode, sim, ter acontecido o que você relatou. Ou seja: além daquilo que lhe ficou como impressão.
Posso lhe assegurar, no entanto, que foi uma exceção. Mas, por favor, entenda como parte do
ser precário que eu sou.
Forte abraço e obrigado pela franqueza.
Ricardo Mota
Sensibilidade e nobreza.
Parabéns.
Estava louca para ver este texto publicado. Adoro ouvir e ler a sua sensibilidade retratada em palavras. Saudade de conviver com você! :*
Beleza pura!
Prezado Mota, as caminhadas na belíssima orla da Pajuçara/Ponta Verde/Jatiúca serve para uma descontração no início ou final do dia. Servindo socialmente para rever amigos e inclusive fazer novas amizades, e até surgirem paqueras e posteriormente algumas transformadas em namoros e daí em até casamentos. As pessoas passam a expressar um sorriso para as outras que veem em sentido contrário de forma natural, pelas sequências dos dias nos contatos nas caminhadas. Como cada qual tem seus horários, a grande maioria, caminham quase sempre no mesmo horário. Pois bem, nas minhas caminhadas noturnas, fiz uma grande amizade, que carrego comigo desde o ano de 2000. Amizade esta que mim trouxe grande conhecimento do humano, ética, decência, coragem, admiração, respeito, enfim uma grande referência. Grande abraço.
RiCARDO MOTA MUITO OBRIGADO DE CORAÇÃO POR ESTA MATERIA LINDA QUE DEUS TE ABENÇOE TE DE MUITOS ANOS DE VIDA OBRIGADO !!!!!