Enquanto a chuva caía
O sinal fechou.
A chuva que desabou vai revelando, aos poucos, entre os fios grossos que alcançam o chão, o bulício da cidade. Aos que olham para cima, a água límpida vem para lavar a alma. Para quem só enxerga no nível dos pés, a lama toma conta do cenário.
Tentando fugir dos respingos na calçada, o homem grisalho, cenho franzido, expressa a sua preocupação, que se faz maior em tempos de gripes – quase mortais para os “entões”. Sonhará, quem sabe, com os pés aquecidos dentro da bacia fumegante, a prevenir calafrios e espirros. Depois, seguindo a receita de sempre, vitamina C e cama.
O calor maternal se mostra, às escâncaras, na mulher que protege os olhos com a mão em concha. Vai, ali, passo a passo, acelerando e relatando as providências para que a garotada não sofra os males do imprevisível temporal. Terão tomado chuva? Ah, meninos, o melhor é tê-los – e domá-los, se possível. Não haverá de aceitar recusas aos encorpados agasalhos e tampouco à sopa quentinha, com os necessários pingos de limão a temperá-la.
Aquele? Um moleque safado! Retardando os passos, numa alegria só dele, intransferível e universal, ao sentir a roupa, os sapatos, os cabelos, tudo ensopado, encharcado, a exigir cuidados que só a cobrança doméstica haverá de obter êxito – com a chinela na mão, que fique bem claro. A chuva é amiga e cúmplice da infância desde que ambas se conheceram.
Já a moça descuidada, certamente, não reparou a cobiça dos olhares libidinosos, que gostam da chuva quando ela lambe as mulheres. E ela, a descuidada, estava ali, exibindo formas sinuosas no vestido colado à pele (o que seria pele, o que seria vestido?), tão ajustado à sua topografia que uma flor aberta em pétalas, do tecido que deveria escondê-la ao invés de exibi-la despudoradamente, se fez imensa tatuagem sobre o peito teso e arrepiado – numa sensualidade sem censura, inimaginável até na seminudez tão comum sob o sol de todos os verões.
Você não passou, estou quase convencido. Mas eu juro que a vi na calçada, sem pressa, sem alvoroço, sem idade, sem roupa, sem nada. Era só você e a chuva.
Um insensível motorista buzina freneticamente no carro atrás. Ele não deve saber do amor, muito menos da chuva.
O que me importa se o sinal abriu?
Nobre vate, excelente crônica dominical, como é de praxe. Humildemente, indico apenas que o título deveria ser corrigido (“chauva”). Um abraço de um de seus leitores diletos.
– Não importa nada.
Absolutamente, nada; para quem
vê o telúrico das crianças ao
velho senhor e desemboca numa
visão onírica da mulher-chuva.
Que se danem sinal, motorista,
buzina …
É mesmo Ricardo, eles não
entendem nada de amor, chuva,
nem de mulher na chuva.
Bela crônica, professor.
As minhas mehores lembranças da infância, tem a chuva como referência. Peladas e “peladas” nas ruas da Pitanguinha, sem o terrível calçamento. A chuva energizava tudo.
Já sou seu fã em virtude de seus comentários sempre firmes e realistas.Agora uniu-se a crônica muito bem elaborada.Parabéns.Você é realmente um cara diferenciado!
Hoje é domingo, está chovendo e não acho ruim. Não dá praia, tampouco é um dia frio, mas, ainda assim, “é um bom lugar prá ler um livro.” Nesse ponto, hoje, discordo do poeta, pois também amo “ouvir a chuva no telhado”
DESEJOS
“Desejo a vocês…
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho.
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender um nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu.
Carlos Drummond de Andrade
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho.
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender um nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu.”
(Carlos Drummond de Andrade)
A chuva, as pessoas comuns, o amor e o devaneio: excelentes ingredientes para uma crônica.
A realidade e o surreal na cabeça do escritor e cá, nós, simples leitores fazendo nossas leituras… às vezes, tão distantes do que se passou na mente do artista.
Assim é feita e apreciada a Arte!
Quando na infância/adolescência no interior, quando chovia (que era um pouco raro) era quase que ato súbito sairmos na ruam procurando as “bicas” para tomar banho, quando as meninas da rua iam era melhor ainda, que viveu esta época sabe bem como era, olhares ingênuos mas nem tanto.Ficava acompanhando a mutação dos corpos infanto-juvenis daquelas meninas, a cada chuva tinha a chance de acompanhar a evolução delas.
E ainda tem gente que não gosta, será que foi falta de chuva?
Vivemos num mundo onde as pessoas, com o passar dos anos, perdem a capacidade de apreciar os fenômenos mais simples que a natureza nos oferece.
Ah! – Como sinto saudades das chuvas de verão que vinham de forma repentina, e que quando crianças podíamos correr pelas poças d’água de pés descalços nas ruas de barro sem medo das suas consequências.
Os diversos tons cinza da chuva desvendam muitos dos portais que resolvemos fechar inconscientemente, nos remete às lembranças das nossas melhores épocas, e aquele que não consegue perceber a poesia no cair da chuva não consegue perceber quando o amor está perto e quando se vai.
Bela crônica, Ricardo! A chuva tem a magia de retornarmos a um passado recente – infância – dos sabores e dissabores que ela nos proporcionou! A sua incessante movimentação – lenta ou mais rápida – nos alimenta de reflexões,vislumbra paisagens intermitentes e inundam as nossas mentes de recordações. E a poesia deslancha rompendo os canais dos corações virtuosos e apaixonados…em direção aos mares imensos por entre marolas de amor e encantos!
você existe? Devoro=te…
Parabéns, amigo. Suas crônicas refletem uma visão que poucos possuem. Grande abraço.
Caro amigo,
Obrigado pela crônica carregada de poesia. Sabemos quando a poesia é boa quando ela consegue nos ler. Esse seu texto me transportou para um dia de chuva em Maceió, na “minha” saudosa praia de Pajuçara.
Aqui, nas segundas, sempre volto a Maceió/AL.
Caro Ricardo,
Já está na hora de ver seus textos e crônicas nas livrarias.E ver seu nome no ranking dos melhores escritores deste país. Você é bom d+,cara. MV