A pequena ave penetrou pela janela da sala fazendo grande estardalhaço. A mulher, concentrada na escrita ao computador, anunciou, em alto e bom som, a desagradável surpresa.

O menino subiu ao primeiro andar e viu a rolinha ‘caldo de feijão’ se debatendo contra livros e paredes. Algum sangue já manchava a tinta de um amarelo suave, quase creme, que adornava o ambiente.

Tentou conter o passarinho amedrontado, não tivesse, ele também, o temor de machucá-la ainda mais. Subiu na cadeira buscando chegar à altura em que o animal, aflito, mostrava as penas eriçadas diante do predador que a espreitava.

Seria uma luta desigual. Mas para o menino, era tentar capturá-la e devolvê-la ao céu, lugar das aves e dos sonhos. Não lhe pareceu, alguns minutos após o embate, uma tarefa fácil. O medo tornava inimigos os que podiam ser parceiros na fuga.

Uma toalha macia foi o recurso usado pelo menino para domar a sua presa. E ela chegou às suas mãos, silenciosa e paralisada.

Tentou soltá-la através da mesma janela por onde o passarinho, de tons variados de marrom, havia invadido a sala.

Foi um voo curto. Logo, a ave foi beijar o chão. Nova corrida ao seu encalço. Já era, então, o pequeno animalzinho, uma vida indefesa, entregue ao seu algoz.

A mesma toalha lhe serviu de manto. O menino viu o ferimento na cabeça miúda, com o sangue avisando maiores cuidados.

A ave foi levada ao jardim e, suavemente, posta entre os arbustos da árvore que tomava quase todo o espaço. O menino esperou alguns minutos e, no escuro, tentou localizá-la entre folhas e galhos. Ela já não estava lá.

Voltara ao chão, quieta e triste. Amedrontada, certamente. O menino mirou-a e demorou algum tempo para decidir que o melhor seria esperar que a avezinha retomasse seu lugar no mundo, sem mais incomodá-la.

Esperou um pouco e foi dormir. Na cama, antes do sono, ele lembrou, com incontida inveja, a pungente cena do menino cego que devolvera ao ninho um filhote de passarinho, em A cor do paraíso (filme iraniano). Sonhou acordado que a ave do jardim haveria de sobreviver. Era o direito de ambos.

No dia seguinte, ao levantar, o improvável caçador se dirigiu ao mesmo lugar onde havia deixado o indefeso pássaro. Ele não estava mais por lá.

Olhou, então, entre os galhos secos da imensa planta e viu uma rolinha ‘caldo de feijão’ a saltar de um lado para outro com grande vivacidade. Pareceu-lhe ver que o ferimento já se refazia. Era notável, ainda, mas já não havia o vermelho que prenunciava morte.

Não dava para o menino conter o sorriso, confissão de alívio e alegria.

Foram necessários 54 anos de vida para que ele pudesse compreender que experimentara, ali, em um breve instante que fosse, a  incomparável sensação de estar em harmonia com a natureza.

Rui Palmeira, a SMTT e a SMCCU
Uma justa homenagem a uma educadora alagoana