O coronel e sua milícia

O presidente Tancredo Neves chamava de "burgos podres" aqueles recantos, no interior do Brasil, onde a vontade do chefe político local decide quem pode viver ou quem deve morrer. Antes da decisão final, porém, o vivente há de ser um eleitor, aquele que faz do mesmo personagem a junção cabocla de Igreja e Estado.

Se mudou o tipo, os costumes se mantêm. Já não há, praticamente, poderosos vestidos de brim azul e calçados de sandálias rústicas de couro. Eles sofisticaram-se nas vestes, andam de carros importados, mas guardam a mesma peçonha de sempre. São intolerantes e contam – ainda agora – com a mão protetora do Estado.

Quando, esta semana, o ministro Joaquim Barbosa fechou a discussão com o presidente do Supremo Tribunal Federal,  Gilmar Mendes, ele foi entendido e apoiado pelos brasileiros de todos os rincões como em nenhum outro momento do embate: "O senhor não está falando com os seus capangas", afirmou a um atordoado Mendes.

Capangas: a denominação comum, usada em qualquer região do país, para os belicosos acompanhantes dos coronéis dos sertões. Hoje, estes não se satisfazem em assumir a chefia política local e decidir, com grande margem de acerto, em quem vai votar a cidade que mantém como seu feudo (expressão medieval, mas ainda viva na contemporaneidade brasileira).

Os coronéis estudaram, viraram bacharéis, viajam o mundo, mas sua essência permanece intacta. Por isso, também, continuam temidos. Até porque o Estado quase nunca exerce a função de proteger o cidadão comum, menos aquinhoado e mais frágil – sem uma milícia em seu entorno . Esta, por sua vez, está do outro lado, a seguir as ordens do perfumado coronel-doutor, para quem o tapete vermelho serve de chão nos palácios. Uma milícia-polícia, paga pelo erário, treinada para o bom combate, mas transformada em arma do forte contra o fraco.

Quase nunca encontraremos um negro "topetudo" para levantar o dedo e dizer: "Me respeite, coronel". Falando por todos nós, Joaquim Barbosa foi um forte, como Lima Barreto, um brado popular na literatura brasileira, no início do século 20; como Antônio Conselheiro, alma nordestina que aprendeu a dizer não nos confins da Bahia, no final do século 19. Mas um povo não é feito apenas de heróis e destemidos cavaleiros. Os homens e mulheres comuns – só estes – conseguem, como muita dor, é verdade, mudar o que parece ser seu destino.

Que o caso do capitão Israel, o novo nome da Assembleia Legislativa, seja a luz amarela a nos alertar sobre o futuro. Os coronéis já usam ternos finos, falam corretamente a língua pátria, parecem outros – para sejam exatamente os mesmos.