"Jamelão é uma fruta, mas eu não sou fruta, não." Este era o cartão de apresentação de José Bispo Clementino dos Santos, carioca, nascido em 1913, e que nos deixou tanta saudade, neste 2008. Personagem politicamente incorreto – como poucos restam -, intérprete raro, embalou os desfiles da Estação Primeira de Mangueira durante quase sessenta anos, um recorde que não haverá de ser batido.

Jamelão começou, como tantos outros cantores, imitando os ídolos do seu tempo: Ciro Monteiro, Orlando Silva e Gilberto Alves. Mas nos legou um estilo elegante e suave de cantar, com seu vozeirão inconfundível. Quem ouviu – ou ainda ouve -, não há de esquecer suas interpretações magníficas dos clássicos de Lupicínio Rodrigues, o imperador da "dor-de-cotovelo". Conheceu o compositor gaúcho em 1952, quando já tinha firmado nome no Rádio brasileiro (ouvido em todos os lares do país.) Gravou, inicialmente, "Ela disse-me assim", para alegria do autor e dos apaixonados pela MPB.

Mas Jamelão, então, já havia feito história no meio musical. Começou, aos dez anos de idade, aprendendo a tocar cavaquinho, instrumento que havia recebido de presente do pai. Foi o tamborim, entretanto, aos quinze anos, que abriu as portas da verde-e-rosa para o seu digno e fiel amante – abertamente correspondido. Estourou nas paradas de sucesso, em 1956, cantando "Exaltação à Mangueira" (Enéias Brito e Aluísio Augusto Costa), que se tornou o hino obrigatório de preparação da Escola antes do desfile na avenida – em todos os carnavais, e assim é até hoje.

O ex- Moleque Saruê, alcunha que ganhou na gafieira Fogão, no início da década de 1940, assinou Jamelão em vários discos antológicos, onde sua voz pausada e melodiosa desfilou tantos sucessos. Mas ficou no imaginário popular como puxador dos sambas-enredo da Estação Primeira. Pecado mesmo era usar este "palavrão" – puxador – em conversas com Jamelão. Pobre Sandra Moreira, filha do cronista esportivo, de texto leve e agradável, Sandro Moreira, botafoguense assumido e inveterado. Foi numa entrevista ao vivo que a simpática colega cometeu a heresia. Recebeu de volta:

-Puxador é de puxador de fumo, puxador de saco…Eu sou é intérprete, minha filha. Intérprete, entendeu?

Quem poderia deixar de fazê-lo? O mau humor virou parte indissociável do personagem temido por jornalistas e amado pelos fãs. Afinal, quem havia, como ele, enfrentado a  ironia nada refinada do mestre Ari Barroso, no seu "Desfile de calouros" (com direito a aplausos e elogios), não teria por que temer o assédio dos perguntadores de plantão.

E não só os da Imprensa conheceram a ira daquele negro de traços grossos e de uma elegância ímpar no palco. Não faz muito tempo, Jamelão foi convidado a participar da gravação de um disco em homenagem ao compositor Herivelto Martins. Lá estavam outros grandes, e entre eles o cordial Cauby Peixoto. Ao terminar sua participação, o intérprete de "Conceição" dirigiu-se ao colega, que, como de hábito, tirava um cochilo na ante-sala do estúdio. Acordou-o com uma despretensiosa brincadeira:

-Está dormindo, professor? Gosta de uma sonequinha, não é?

-É. Só não gosto do que você gosta.

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  • joão

    Caro Ricardo, Jamelão era ouro bruto, jóia rara e sua interpretação tinha uma força que impactava a platéia. Sua crônica premia a todos nós e faz justiça a este grande intérprete da nossa música.

  • Fernando Andrade

    Muita coincidencia em ler essa sua crônica hoje pois ainda há pouco ouvi e vi o Grande Jamelão em um DVD da tv Cultura gravado no programa Ensaio.Que arretado poder ser politicamente incorreto incorporado nesta figura imortal!!

  • celso

    Por falta do que fazer, permiti-me pensar no por que de tão poucos comentários sobre esse negão: se fosse a Clementina também seria assim … Infindáveis abordagens.

  • Marcos Paredes

    Ricardo, Jamelão tinha uma altivez, na época em que, sambista tinha que ser negro e da da favela. O Samba Partido Alto, samba enredo etc. eram tocados em rodas de samba por amor a música ” Não deixe o samba cair, não deixe o samba acabar, o morro foi feito de samba…”

  • Jorge Villas Bôas

    Caro Ricardo,o setor que assumi relaciona-se a atividades meio da SESAU(antigo planejamento). O setor do Vanilo Soares(atenção à saúde) é a superintendência responsável pelo comentário que o amigo fez. Abraço, Jorge.

  • Marcos Paredes

    Ricardo, quando jamelão dizia que não era fruta, subentendia-se que não era Gay, Puxador de Samba, não Maconheiro ou bajulador. Os jornalista, à época,tinham que ter a perspicácia de não formular perguntas dúbias, pois ele PÀ, na hora. Obrigado Ricardo por esta crônica.