Amizade ao ponto – nem mais, nem menos
Para Camila, minha filha
Muito se fala na "química" da paixão, definição um tanto imprecisa sobre as motivações que levam duas pessoas a se gostarem e a se desejarem sofregamente. Mas, haveria uma "química" da amizade? É bem verdade, no primeiro caso estão presentes ingredientes como cheiros e hormônios que levam ao amor sensual. Não é o caso da amizade, creio eu. E se desvantagens há, desta em relação àquela, a fugacidade da paixão não parece fazer parte da relação entre amigos, independentemente do gênero de ambos.
Poetas, escritores, compositores, pensadores e filósofos em geral se debruçaram sobre o tema – que é fascinante. Desde o "cínico" Oscar Wilde a afirmar que "o verdadeiro amigo apunhala pela frente", até o doce Vinícius de Morais a dizer que "amigo não se faz; se reconhece", muita tinta já se gastou tentando explicar a "química" da amizade – se é que ela existe. (Antes de deixar Vinícius de lado, lembremos Nélson Cavaquinho. Em uma das suas canções, o sambista diz que é fácil encontrar amigos de copo – Vinícius? – mas se precisar de um prato de comida, eles somem).
Sou apontado por alguns como um homem de poucos amigos. Mas será que há outros de "muitos" amigos? Não creio, e encontrei em alguns livros interessantes de filósofos ídem, bons argumentos para defender minha crença (ou descrença).
"Antes de mais nada, a amizade, estou convencido, só pode existir nos homens de bem". A frase é de Cícero (Marco Túlio Cícero), que vai além, para completar seu raciocínio: "Sem virtude, não há amizade possível." De há muito, para mim, até por conta da idade – 50 anos -, a preservação das velhas amizades é uma prova de caráter. Ensinou-me o tempo, e a ele rendo minhas homenagens.
Não é o caso de hierarquizar as relações cotidianas, mas ao olhar com vagar para o que elas podem representar na nossa existência, confesso, não consigo discordar do mesmo Cícero: "A amizade vale mais que o parentesco, em razão de o parentesco poder se esvaziar de toda a afeição, a amizade, não: retire-se a afeição, não haverá mais amizade digna desse nome, mas o parentesco subsiste."
Claro, há territórios em que ela, a amizade, não é possível se estabelecer – aponta o meu aprendizado profissional, por exemplo, com a política e os políticos. Aí, de novo, vem Cícero:"Mesmo para aqueles cuja amizade resistiu por mais tempo, ela é abalada quando intervêm rivalidades de carreiras políticas." Sêneca é tão enfático quanto pode, quando refuta a possibilidade de se fazer amigos, verdadeiramente, entre os que militam na perigosa área. "Relações passageiras e interessadas", diz ele, para emendar:"Tiramos a grandeza da amizade, quando nela vemos um meio de ganhar alguma coisa."
E era Sêneca um especialista no assunto, abordado profundamente em suas cartas a Lucílio. "É um erro não confiar em ninguém, bem como confiar em todos", alertou. Ele foi defensor da amizade, sim, mas nada de "todo mundo é meu amigo", deixou claro muito antes do genial Montaigne fazer a mesma abordagem. É do francês, que se recolheu aos livros depois da perda de um grande amigo, a afirmação:
-O que chamamos geralmente de amigos e amizades não passa de convivências e familiaridades estabelecidas ocasional ou comodamente por meio das quais nossas almas estabelecem vínculos. Na amizade de que falo, as almas se misturam e se confundem uma com a outra.
De fato, ter um amigo – ou (poucos)amigos – para dividir convicções e incertezas, convivendo com defeitos e qualidades um do outro, é um privilégio muito mais incomum do que parece. Delicioso ainda mais, por raro. "Que há de mais agrádavel do que ter alguém a quem se ousa contar tudo como a si mesmo?", pergunta Cícero."Se tu vês um homem como amigo sem teres nele tanta confiança quanto em ti mesmo, tu te enganas muito e só tens uma vaga idéia da verdadeira amizade", responde Sêneca – num diálogo imaginário.
Nada de almas gêmeas, mas as identidades são indispensáveis para que se faça e se estabeleça a amizade. Continua Cícero:"Reside aí toda a força da amizade – a mais nobre cumplicidade no plano das escolhas, dos interesses, das idéias". Socorre-o Sêneca:"Seria a verdadeira amizade, que nem a esperança, nem o temor, nem a preocupação com o interesse podem romper; aquela que levamos quando morremos e pela qual podemos morrer".
Se ouvisse Sêneca, com ele concordando, Cícero poderia, quem sabe?, fechar a conversa com um belo conselho a cada um de nós:
-Tudo o que posso fazer é vos incitar a preferir a amizade a todos os bens desta terra; com efeito, nada se harmoniza melhor com a natureza, nada esposa melhor os momentos, positivos ou negativos, da existência".
Se nada disso lhe toca a alma, lhe faz pensar sobre a questão, não lamento. Talvez tudo seja muito mais simples, como nas palavras do jagunço Riobaldo, obra e graça de Guimarães Rosa:
"Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado".
Álvaro Machado
Amigo, parabéns!
Camilla Chagas
Ricardo, gosto muito das suas crônicas e comentários políticos, mas nunca imaginei que escrevesse tão bem sobre Amizade!! Concordo plenamente contigo, dizem por aí também, que a Amizade serve para enxugar as lágrimas que o Amor permite cair, se é que me entende…
Hermann
Belo texto para Camila e para os amigos.
Valtenor Leoncio
Amigo Ricardo, é isso mesmo amizade nem mais,nem menos. Parabéns…. Valtenor Leoncio
sérgio
Caro Ricardo, Esta manhã voce deixa-nos sem palavras e a refletir sobre os conceitos da amizade. Quantas “trombas” levei? Quantas vezes fui injusto ou incauto? Onde pode começar a amizade. No trabalho? Onde mora? No bar? No futebol? Talvez aí resida o “x” da questão. Problemas.
sérgio
E mais. Na nossa cultura, não há respeito ao velhos. Como querer uma amizade duradoura, se com o tempo voce perde este valor? Curiosamente confio em pessoas mais velhas. Respeito suas experiências, suas reflexões. Pessoas que se respeitam, são melhores amigos.
luzenita paes dos santos
Caro Ricardo Mota sei que não sou seu amigo, porque não convivemos, mas admiro a sua determinação e o seu caráter.Bom domingo
Bruno Mendes
É isso aí Ricardo. Mais dois: Nelson Rodrigues costumava dizer que o amigo é o grande acontecimento da vida. Emerson considerava o amigo a obra-prima da natureza. Amigo vale pela qualidade não pela quantidade. Parabéns pelo texto. E pela homenagem.
Plinio Lins
Ricardo, sobre o teu quinto parágrafo – amizades e parentescos –, os franceses, que têm o poder da síntese, resumem em um dito: “La sort fait les parents; le choix fiat les amis”. Parentes são resultado do destino; amigos são escolhas nossas. Plínio
Celso
Arretado! Celso
Anselmo Santana
Meu caro Ricardo, parabenizo-o pela belíssima exaltação à amizade. E gostaria de citar o grande Epicuro: “De todos os bens que a sabedoria nos faculta como meio de obter a nossa felicidade, o da amizade é de longe o maior”. Tenho um grande apreço por você. Um forte abraço!
Antonio de Padua Cavalcante
Parabéns pelo texto. Graças a Deus tenho poucos e reais amigos, todos anos de convivência.Amigo não chateia, ajuda. Amigo é o irmão ou irmã quer escolhemos para levar conosco no trem da vida
matuto doido
SERVE EM CHEIO PARA OS QUE SE ENGANAM E ENGANAM, SERVE PARA QUEM SE ACHA PODEROSO E SÃN DE MENTE E ALMA. EX: AUTORIDADES CORRUPTAS,CRIMINOSOS E MENTIROSOS. PSICOPATA, SÃO AQUELES QUE SE JULGAM MELHORES QUE TODOS. OS VELHOS SÃO TESOUROS EMPOEIRADOS PARA ALGUNS.
Luciano Aguiar
RICARDO Quero acrescentar o meu poeta de coração Mario Quitana: “AMIZADE UM AMOR PARA TODA VIDA”
Paulo Chancey
Excelente. O seu texto enriquece nossa leitura e enobrece qualquer veículo de comunicação. É um tributo aos poucos, mas verdadeiros amigos, àqueles com quem se gosta de conversar, do igual ao igual, desarmado. Aplausos!
A Almeida
Ricardo, quanto a ter poucos amigos não se preocupe, há pessoas que não valem a leitura de um bom livro. Cicero resume a questão: a amizade só pode existir nos homens de bem.
lisboa
parabéns, muito bom o seu texto, concordo plenamente, de fato homens de bem têm poucos amigos.
Ricardo Gois Machado
Para quem tem um verdadeiro amigo, como eu posso afirmar que tenho, seu texto deste domingo dispensaria quaisquer comentários. Mas ele me fez ganhar o dia.
Alexandre
Caro Ricardo Mota, parabéns pelo texto. Fico a pensar nas minhas amizades de adolescente, quando tinha verdadeiros amigos, sem interesses. Agora, procuro grandes amigos e não encontro nem um. É assim mesmo, o verdadeiro amigo é a vida.
Helder Lopes
Belo texto. Parabéns, mais uma vez!
Elizabete Patriota
Escrever ou falar bem para mim, é conseguir ir ao encontro do outro através da palavra. Vc fala e escreve bem pq o que vc diz vem do coração e atinge em cheio o coração dos seus leitores e ouvintes. Ósculos!
marcelo firmino
Grande Pena, Permita-me, mas, meus parabéns vão para a Camila pelo pai verdadeiramente amigo que ela tem.
AAraujosilva
Ricardo, meu caro jovem, no popular o jagunço Riobaldo e o MPB4 estão certíssimos: “Amigo é pra essas coisas mesmo…”. No conhecimento castiço de sua excelente abordagem, nos outros vamos nos aculturando. Pois bem!, como disse, N.Cavaquinho, sambista e filósofo mundano: “Me dê flores em
AAraujosilva
… sambista e filósofo mundano: “Me dê as flores em vida/O carinho, a mão amiga,/Para aliviar meus ais./Depois que eu me chamar saudade/Não preciso de vaidade/Quero preces e nada mais.” . . .
Eanes Melo
Somos tão imperfeitos que cultivar uma amizade como se rega uma plantinha e vê-la crescer é coisa rara. O amigo da humanidade foi levado para a cruz sem queixumes. Roberto Carlos compôs amigo de fé irmão camarada para as amizades transcendentais. Talvez bons amigos sejam coisas do outro mundo.
Rafael Kennedy
Gostei. Parabéns!
O PENSADOR
Meu caro Ricardo,”Amigo é coisa pra se quardar no fundo do coração”, canta Djavan.particulamente acho perfeito essa colocação.Mas lhe digo q amizade ñ é pra todo mundo. Tem gente q não conhece essa virtude.
Sylvio De Bonis Almeida Simões
Texto muitíssimo legal. Mérito intelectual. Parabéns mesmo.
Carmen Lins
Prezado Ricardo,
Não conheci o seu blog. Agora, estareisempre presente. Esse texto sobre amizade enobrece a amizade