“Câncer? Ela o há” – era Jânio pintando mais um quadro
Mitômano, farsante, "bom de copo". São adjetivos que se encaixam à perfeição no perfil histórico de Jânio Quadros, o mais polêmico e contraditório presidente que o Brasil já teve. Renuncista inveterado, esse talvez lhe caiba mais e melhor do que qualquer outro qualificativo. E foi assim que Jânio ficou definitivamente marcado na vida pública brasileira.
Já quando governador de São Paulo, cargo a que chegou em meteórica trajetória (foi vereador e prefeito, antes), o "homem da vassourinha", pelo menos por duas vezes mandou seu secretário Carvalho Pinto redigir sua carta de renúncia para que a enviasse à Assembléia Legislativa. Mais uma farsa do depois fugaz presidente. Documentos prontos, prontamente rasgados – e não se falava mais nisso, depôs o prôprio Carvalho Pinto.
Na pré-campanha para presidente (1959), quando já aparecia como o mais duro combatente contra a corrupção do Governo JK, fazendo eco às "vivandeiras" da UDN, Jânio anunciou que não mais seria candidato. Foi o suficiente para que um grupo da Aeronáutica, comandado pelo então major João Paulo Burnier (um dos personagens mais sórdidos da ditatura militar de 64), deflagrasse a Rebelião de Aragarças, uma ópera bufa, que só fez confirmar o ressentimento da Força Aérea em relação ao que seus oficiais consideravam a continuação do getulismo (era, também, a manifesta dor-de-cotovelo pelas sucessivas derrotas do brigadeiro Eduardo Gomes.) A morte do Major Rubem Vaz, segurança do boquirroto golpista Carlos Lacerda, em agosto de 1954, ainda não havia sido esquecida pela tropa(um episódio até hoje obscuro, já que o revólver usado por Lacerda, no atentado da Rua Toneleiros, nunca foi periciado – ele não permitiu, nem ninguém impôs que isso acontecesse.)
No auge da crise, a segunda de JK com a Aeronáutica (a de Jacareacanga aconteceu no comecinho do governo), Jânio foi consultado – entre uma garrafa e outra – e disse que retomaria a candidatura para varrer do Brasil o mal da corrupção. Tomou a decisão e, certamente, mais alguns goles.
Jânio teve no udenista Lacerda um dos seus maiores apoiadores. Nem por isso dispensou à língua mais feroz e ferina da República um tratamento respeitoso. Quando presidente, recebeu-o no Planalto para uma conversa. Receber é modo de falar. Ao chegar ao Palácio, Lacerda foi encaminhado ao quarto de hóspedes, onde deixou sua mala. Depois veio o recado: o presidente vê-lo-ia em seguida. Foi para uma conversa com um assessor de Jânio e ao retornar ao Planalto sua mala já o aguardava na portaria com o aviso: Jânio cancelara a audiência sem qualquer explicação. (A não oficial conta que JQ estava dedicado a uma noite de amor- e não com Dona Eloá, a primeira-dama.)
Do antecessor, o elegante Juscelino Kubitschek, nunca teve motivos para queixas. Apesar de, por pouco, não levar um soco do mineiro em plena posse presidencial. JK preparara sua assessoria para a cena de pugilato, naquele 31 de janeiro de 1961. Lá no Planalto, dizia JQ em toda a campanha, habitavam "Ali Babá e os 40 ladrões". Se fizesse, no discurso de posse – como prometera -, qualquer alusão à "sujeira" que precisava ser varrida do Brasil, o ainda presidente lhe daria um direto no queixo. Não aconteceu o round porque Jânio era Jânio, o bravateiro de sempre.
Quando presidente, Juscelino visitou JQ em São Paulo. Encontrou o então governador murcho e cabisbaixo, sem ânimo para a vida, disse ele ao construtor de Brasília. Ao ser indagado pelo motivo de tão profunda tristeza, Jânio revelou:
– É a Eloá. Está com câncer, desenganada, em cima da cama.
O "presidente bossa-nova", médico e humanista, se comoveu com a tragédia familiar que lhe fora ali externada. Deixou assinada a ordem de serviço para mais uma obra importante em São Paulo, ajudando a construir a candidatura do homem que o substituiria no cargo máximo da República. Era a única verdade daquele encontro. O abatimento de Jânio talvez se devesse a mais uma ressaca. Dona Eloá, saudável e discreta acompanhante do histriônico marido, ainda viveria por muitos anos. O suficiente para ver a última e mais dramática renúncia de Jânio Quadros: em 25 de agosto de 1961.
AAraujosilva
Mitômano é a …! Diria JQ, o grade cascateiro da república, cujo blefe maior,do dia 25Ago, pegou mal e lhe apeou do poder. Pura insanidade etílica. ELO HÁ entre Janio e o atual inquilino de plantão: bravatas e uma boa idéia. Apenas!!!
Celso
Ricaro, Cada vez melhor. As primeiras linhas obrigam-nos a ler todo o texto. As da crônica sobre meu conterrâneo azucrinando o governador foram brilhantes. Celso
Gilva Mata
Relato de um pedaço da nossa história politica. Aliás,sempre recheadas de fatos marcantes: Pitorescos, folclóricos, alarmantes, cruéis e sempre corrompido. O saldo disto tudo é a situação economica, educacional e politica do nosso povo…Que legado!!!
Clévston Lapa
Instigante, pitoresca e despretensiosamente instigante! Nobre Ricardo, brigado por iniciar minha semana de modo tão agradável… gosto desses causos!
fernando andrade
Estou torcendo para que você,que agora dispõe de mais um tempinho,nos brinde com a feitura de um livro sobre história política contemporãnea alagoana e brasileira.Ficaremos gratos!