O porco, em carne e espírito
A anedota é antiga, mas cabe bem no texto a seguir. Um padre e um rabino se encontram num jantar, e o primeiro, ante a mesa forrada de frios, faz a provocação:
– O presunto é uma delícia!
O rabino devolve:
– Uma mulher, mais ainda.
O alvo, no fim das contas, é o mais difamado de todos os mamíferos: o porco. As três religiões monoteístas – judaísmo, cristianismo e islamismo – atuaram, historicamente, para desqualificar o animal que tem a carne entre as mais saborosas.
Os motivos? Seriam vários, mas há quem garanta, jurando de pés juntos, que o problema está no fato de que o bicho tem o casco fendido, como o “coisa-ruim”, o “atroz”, o “tinhoso” – ele mesmo, que inferniza a vida de tantos que nele acreditam (nos EUA são mais de 60%).
Se a porcofobia é um das marcas dos semitas – assim como a circuncisão -, tendo surgido desde os tempos da Judeia primitiva, também as duas outras correntes religiosas que pregam a existência de um Deus único nada fizeram para melhorar a má fama do bicho.
Pelo contrário. O Corão descreve a carne de porco como “abominável”; em alguns países árabes muçulmanos, A Revolução dos Bichos (que virou A Fazenda dos Animais), um clássico de George Orwell, é leitura proibida, por causa do papel dominante dos suínos na história. Pior ainda para as crianças, que não podem assistir a filmes que tenham o bichinho de nariz de tomada como astro – e são tantos, hoje, produzidos por Hollywood!
Mas, vem cá, de onde saiu a expressão espírito de porco, destinada a designar o sujeito que faz tudo, sempre, para atrapalhar os outros?
Do Evangelho de São Marcos, nos ensina Reinaldo Pimenta no segundo volume do seu A Casa da Mãe Joana. O evangelista conta as proezas de um “homem possesso do espírito imundo, …e nem com as cadeias o podia já alguém ter preso”. Vendo Jesus, identificou-se:
– O meu nome é Legião, porque somos muitos.
Resultado: Jesus mandou os espíritos se meterem nos porcos. Foram e se atiraram ao mar. E a fama de endemoniado do bichinho fez-se para todo o sempre. (Cá para nós, não parece uma boa ideia, pelo dito, ter uma legião de amigos.)
Mas é verdade: os cristãos nunca foram proibidos de ingerir sua carne macia e de muitas utilidades. E, até por isso, no período da Inquisição, em Portugal e na Espanha, era comum se oferecer linguiça suína aos judeus e muçulmanos convertidos, para garantir que a nova devoção era sincera. Se não assim parecesse, a carne humana era o que fazia a festa dos puros e defensores da fé.
Está certo que o animal era criado e engordado, quase sempre, em ambientes imundos (porcos?), transformando sua denominação em um adjetivo nada elogioso. Mas isso vem mudando com os tempos. As pocilgas, hoje, são lugares razoavelmente asseados, tornando a carne do animal um alimento tão confiável quanto a de qualquer outro que estejamos dispostos a devorar. Mais ainda: o bicho de casco fendido tem sido fartamente usado na medicina em benefício do homem. Já foram realizados, com sucesso, transplantes de pele, de rins e até de válvulas cardíacas daquele para este.
Há de se refazer a imagem, injusta, do quadrúpede cujo pernil é uma iguaria quase que incomparável. E, cá pra nós, só uma criatura foi mais vilipendiada, vítima dos piores preconceitos e infâmias – inclusive nas religiões – ao longo dos séculos: a mulher.
Mas esta é outra história.
Laskdo
Só que Jesus em embate com os escribas e fariseus disse: “Não é o que entra pela boca do homem que o torna impuro, mas é o que sai da boca que o torna impuro”. Em seguida emendou: “No entanto, tudo o que sai da boca vem do coração, e essas coisas tornam o homem impuro. Por exemplo, do coração vêm raciocínios maus: assassinatos, adultérios, imoralidade sexual, roubos, falsos testemunhos e blasfêmias”.
Laura Pedro
Delícia de texto. Fez bem ao domingo.
Carlos
O que foi que mudou no comportamento do homem desde que o mundo é mundo. Em relação aos seus interesses pessoais e em difamar os desiguais…
P&P
Todos os domingos pela manhã, eu e minha companheira degustamos as suas crônicas, por isso elas fazem parte da nossa história.
Como é bom poder ficar mais cultos e informados.
Antonio Moreira
O porco, em carne e espírito
Onde o homem se alimenta da sua carne macia
e ainda se beneficia (quem? o humano) de alguns órgãos do animal em favor da sua sobrevivência (homem).
Quando o homem possesso do espírito imundo passar ser “espírito de porco”.
Uma vez escrevi aqui:
Coitados dos 2 mil porcos, correram uma maratona de 50 km e logo morreram no mar!
Quem eram os donos dos porcos?
Antonio Moreira
Quando o homem possesso do espírito imundo passa ser “espírito de porco”.
Antonio Carlos Barbosa
Comentário acima do Moreira, é o que basta!