Ler o Febeapá – Festival de Besteira que Assola o País – no começo dos anos de 1970 tinha algo de subversivo. É bem verdade que o seu autor, Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, já havia morrido em 1968, dois meses antes do AI 5, mas eu e meu saudoso amigo Fredão fazíamos isso com desbragada alegria, porque era, então, uma maneira de, meninos,  desafiarmos aqueles tempos de censura (foi por essa época, também, que lemos a obra completa da picante Adelaide Carraro, que hoje estaria mais para escritora de histórias infantis).

Debochado, aquele tal Ponte Preta! Carioca, boêmio, jornalista, escritor, compositor (quem não conhece O Samba do Crioulo Doido?), autor de Teatro de Revista e funcionário do Banco do Brasil, era o que se chama hoje de workaholic. Ele apresentava-nos, desnudos, os políticos brasileiros e suas risíveis sandices; trazia-nos personagens com quem nos familiarizamos: a tia Zulmira, o primo Altamirando e outros.

Nas suas pesquisas sobre o besteirol político havia pérolas inesquecíveis, como a do vereador de Vitória (Espirito Santo), que, para asseverar que não tinha rabo preso, atacou: “Sou desenrabado.”  Quem duvidar haveria de?

Já um salomônico governador de Santa Catarina radicalizou numa solução inspirada no personagem bíblico: ante a briga entre dois correligionários que disputavam o controle de um colégio estadual e um hospital público, encontrou a fórmula para a conciliação entre ambos – fechou a escola e deu o mesmo destino ao hospital.

Stanislaw virou um homem de televisão – é dele a definição de “máquina de fazer doido” para a TV -, mas foi impiedoso com o veículo que revolucionou a comunicação de massa em todo o mundo. A novidade havia chegado ao país pelas mãos de Assis Chateaubriand, que ao vê-la pela primeira vez, em 1947, nos Estados Unidos, ameaçou: “Vou levar essa droga para o Brasil”. E a trouxe para onde a esperavam milhões de futuros viciados – sem os respectivos aparelhos, que fique claro.

Pois o Sérgio Porto, que um dia se tornaria um dos principais responsáveis pelo moderníssimo Jornal de Vanguarda – criação do mestre Fernando Barbosa Lima -, não quis nem saber o que de bom poderia sair da telinha, e não perdia a oportunidade para escrachar a, então, nova tecnologia:

– Outro dia uma senhora televiciada me dizia que deixou de assistir a filme na televisão porque botavam tantos anúncios no intervalo que quando o filme reaparecia ela não se lembrava mais da história e ficava torcendo para o bandido, pensando que era o mocinho.

Quando apareceu o Ibope, Sérgio Porto foi impiedoso. Definiu-o como uma armadilha para enganar anunciante e “incrementar carreira de imbecil”. Não parou por aí:

– Querer explicar esse mecanismo seria mais difícil do que fazer um sueco entender o que é bumba-meu-boi; mais complicado do que fazer o Duque de Windsor sacar o que é “ponto facultativo” e convencê-lo a incluir a novidade na Inglaterra.

Pois não é que ele entrou, e de costas, na televisão! Exatamente assim: num programa de entrevistas dirigido por Carlos Thiré e Geraldo Casé, na TV Rio, em que ele aparecia… de costas. Ganhou, pela participação, o prêmio de “melhor entrevistado do ano”, juntamente com um convite para trabalhar com Fernando Barbosa Lima.

No Jornal de Vanguarda tinha de tudo: notícias, comentários, Millôr Fernandes e Stanislaw Ponte Preta fazendo suas crônicas do dia. Numa delas, escolheu como tema a venda de amendoim brasileiro para a Inglaterra – comida para os perus, “que passaram mal”:

– É a primeira vez que vejo amendoim fazer mal a peru. A não ser que peru inglês seja diferente dos nossos. Aliás, só pode ser mesmo, tanto que inglês casa com inglesa.

Que maldade com a turma da Rainha! Em tempos politicamente corretos a piada seria repudiada em abaixo-assinados etc. Então, a coisa andava um tanto pior: a TV era pudica, e logo veio o recado do juiz de menores, de que houve excessos por parte do nosso herói. Na sua coluna na Última Hora, ele, o Ponte Preta, reagiu: “Não fica chateado, seu juiz, no Natal eu lhe mando o meu peru.”

Não foi preso e continuou trabalhando feito um louco e sem perder a loucura. Numa das edições do telejornal – que passou por três emissoras até sair do ar por obra e desgraça do AI 5 -, o entrevistado, ao vivo, era o coronel Jarbas Passarinho, que a cada resposta ouvia um “piu” ressoar no estúdio. Era ele, o irreverente, escondido atrás do cenário, fazendo trilha sonora para o fardado.

Foi demitido, tempos depois, pelo amigo Fernando Barbosa Lima, que o via à beira do leito de morte por tanto trabalho: “Eu não quero que você se sacrifique pela gente”, disse-lhe um ano antes de o coração de Sérgio Porto tomar as providências para o necessário descanso. E ele tinha apenas 46 anos de idade.

Tudo bem, a vingança contra a televisão já estava registrada em suas crônicas no impresso, profeticamente:

– Quem acha a programação durante a semana de lascar, é porque ainda não viu a de domingo.

É verdade: cada homem com seu tempo, e até nisso Sérgio Porto foi sábio. Hoje, ele teria farto material para o seu Febeapá, mas seria sentenciado ao olvido eterno pelo Tribunal do Facebook ainda em vida.

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  • Zé MCZ

    A TV como meio de massificação das informações é um (dos) aparelho ideológico do Estado (AIE). É tão viciante quanto qualquer outra droga, só que é lícita, igual álcool e tabaco. Pagam impostos! (as outras pagam pedágios underground) Quando ela doutrina desde a infância torna-se igual à madrassa, que molda na base de marteladas no quengo, até que mais um talibã esteja pronto para ir ao combate, enfrentar os inimigos apontados por ela. A TV? Não mais, agora há as outras mídias que aliena muito mais fácil, instantaneamente! O resultado estamos vivenciando.
    Fico a imaginar todo esse aparelho midiático sob o controle do Adolph e do Joseph. Chaplin explica.
    Sobre o Stanislaw, e se estivesse aqui, certamente ainda estaria publicando o FÊBÊAPÁ, por outros canais! E com toda a certeza teria a estrela de primeira grandeza! O Ponte Preta seria um influencer para desinfestar essa praga, muito pior que todas às que já assolaram!
    Tem uma crônica dele que hilária:

    https://www.pensador.com/frase/NTE3MzQ5/

  • Maria

    Perfeito! Sérgio porto teve uma enorme contribuição de cartas que lhe eram enviadas por seus leitores…Uma antecipação do que hoje é muito facilitado pelas redes sociais. “Liberdade de expressão se combate com mais liberdade de expressão”O nosso Brasil é um grande Febeapa.Ótimo domingo!

    • Meu NOME é Gal desejando rapaz: SEM cultura NEM crença OU tradição, AMO igual!

      Nessa IDADE minha, Maria … assopra uma VAGA de lembranças, cascas de NOZES náufragas em mares revoltos, amiga.
      – Outro dia uma senhora televiciada […] tOntos anúncios […] cOndo o filme reaparecia … R Mota ACIMA de tudo.
      # NEM s’alembrava + da história e ficava torcendo p’U$ bandido, pensando q’era U$ mocinho … IDEM acima de todXs.

  • Maria

    Em tempos atuais…O Brasil é um país condenado ao fracasso,por imposição externa ou por convivência interna?! É só pra finalizar o meu comentário anterior.

  • JEu

    Bom dia, Ricardo. Bom relembrar os bons tempos… da escola que era de verdade, com disciplina e respeito aos professores… do poder andar pelas ruas da cidade, até à noite, sem ser importunado, assaltado ou assassinado… quando ainda víamos os mais jovens cederem seu lugar nos ônibus para os mais idosos, para as gestantes ou, simplesmente, num gesto de cortesia os rapazes cediam os lugares para as mulheres e meninas, em geral… época em que, e apesar das dificuldades gerais por que o país passava por causa da economia (me disseram, uma vez, que antes de 1964 havia corrupção, nepotismo, aparelhamento da administração pública com distribuição de cargos públicos de toda ordem – será que tem alguma similaridade com uma situação bem recente? tive um professor que disse que havia, até, a função de sub-carimbador interino…!!!) e que, ainda, houve uma verdadeira depredação das finanças públicas, com a emissão de papel moeda em valores bilionários sem o necessário lastro econômico, causando inflação galopante… então aconteceu algo que foi denominado, pelos registros nacionais, como “O Milagre Brasileiro” e o país renasceu, progrediu e cresceu, até o momento em que, novamente sob a influência de muitos desinteressados com o bem do país e da nação, voltaram os ataques contra os valores econômicos e morais do país e do povo… e reiniciamos uma nova fase de retrocesso, estagnação e destruição… agora, ao que parece, vemos os sinais de que um novo período virtuoso para a economia e para os reais valores nacionais pode ressurgir e trazer um período de verdadeiro progresso… mas, como em todos os tempos, desde que o mundo é mundo, sempre haverá os que querem exatamente o contrário… e, assim, só nos resta dizer: que Deus nos livre deles… Bom domingo.

  • Williams Roger

    […] “besteirol político” […], isso é um eufemismo para o que se pratica hoje em nome da maldade que- se faz com o povo através dos mandatos que os políticos, sem generalizar, usam para se locupletar.
    Quanto a […] “máquina de fazer doido” […], passarás… Desde o golpe dado na “democracia”, que a tv “@berta” jogou tudo no ventilador, em nome do poder ($$$), se transformou numa máquina de fazer sábios! Ou seja, eles deram um “tiro” no pé, nos dando o direito de sabermos das verdades verdadeiras, dos esquemas, dos moldes operandi, de tudo que se praticava nos bastidores do poder, pelo poder a qualquer custo ($$$+++).
    Por fim, quanto ao […] “Tribunal do Facebook” […], ruim com ele, PIOR SEM ELE! POIS DEMOS GRAÇAS A QUEM NÓS QUISERMOS PELO ADVENTO DAS REDES SOCIAIS. MESMO QUE SEJA UMA “FACA” DE DOIS GUMES! POIS HOJE, não temos mais uma “máquina de fazer doidos”, não somos mais escravos da “lavagem” cerebral.
    Hoje temos opções de informações. Podemos propagar idéias, sentimentos, saber de verdades e o que são mentiras, de interagir, com quem quisermos e aonde for, sem sair de casa. Só somos ludibriados se quisermos.
    Temos como checar.
    E discordo quando o nobre jornalista rótula as redes sociais de “Tribunal”. As redes sociais é o tal do senso crítico que se ensina nas faculdades e universidades! E isso incomoda muitos interesses!!! Principalmente”interesses” escusos!!!
    Ai da sociedade se não tivéssemos as redes sociais. Continuaríamos reféns da ignorância, do medo e da má-fé!
    SENSO CRÍTICO! NADA MAIS!
    Temos direito a ter opções. Tais como essa, de ter direito a se expressar, de ter opinião…
    Não esquecendo! O que é censura?
    Será que censura é editar opiniões?
    Será que censura é não publicar opiniões?
    O blog é público ou particular?
    A tv, todas redes de comunicação são concessões públicas!?
    Público não é público?! Ou é um ditadura!?
    Viva a “democracia”! Que nada mais é que provar do próprio “veneno” – ou seja – ser vítima do próprio sistema (Constitucional Federal)!
    Nada mais delicioso!
    E se tiverem achando ruim, mudi-a!

  • Joao da TROÇA anarco-carnavalesca BACURAU da Rua NOVA do Sertão – em St’ANA!

    Êita, Ricardo … pegou na vÊia debaxu dos panos do Sarney, Matogro$$o é NEY!
    > O que a gente faz É p debaixo dos pano p ninguém sabÊ q’eu ganho + se vou FERVER
    – Apois aRRente num tem medode guardar segredo de tudo q se vê debaixo dos pano
    > NóiX gente fala do fulano E diz o que convém … me afogo e me dano SEM perder U$ ben$.
    – Arrente esconde, tudo mudo, Q fazer? … #Engano sem ninguém saber … ‘té q’entra pelo cano
    Em o3’ 29″ … vÉio + NOVINHAS tristes ‘gnorantes à revelia das GATAS cultivando varizes, vÉia$ bixana$!
    https://youtu.be/5dY5p-XAjqE

  • Lucas Farias

    Prezado Ricardo, alguns desses comentários certamente estariam numa coletânea do FEBEAPÁ, como esses que exaltam as redes (anti)sociais como faróis do conhecimento e vanguarda da crítica (para que universidade pública?), e que fantasiam a ditadura militar como um período de prosperidade e paz celestial. Que falta fazem, nestes tempos de revisionismo e intolerância, a irreverência e a genialidade de Millôr, Stanislaw e Barão de Itararé! Bom domingo!

  • Há Lagoas

    Juro que tentei me desligar da internet – pelo menos aos domingos – mas sua crônica domingueira me tem feito fracassar continuamente. Pelo que tenho lido – e nem sempre comentado – esta é uma promessa que posso quebrar sem constrangimento.
    Quanto ao seu texto: magistral.

  • Fernando Santus

    Super bem lembrado… é muito bacana mesmo e se possível nos procure no google por Santus Seguros e nos diga o que achou do nosso posicionamento, site etc.
    ou fale conosco http://bit.ly/2LVAhIL ou whats http://bit.ly/2MMGmsW

  • Lucas Farias

    Prezado Ricardo, lembrei-me de uma dessas histórias do Febeapá, que demonstram como qualquer ditadura, por sua ignorância e estupidez, não resiste a boas gargalhadas e não suporta o bom humor (como nos ensinou Chaplin).

    “Sófocles, o subversivo”

    No tempo da censura da ditadura civil-militar de 1964, “as forças da repressão, em duas ocasiões, foram atrás de um alvo de peso.
    Em 1965, na estreia de Electra, no Teatro Municipal de São Paulo, agentes do Dops compareceram ao local com “uma dura missão”: prender o autor da peça. Um subversivo. “O problema era que o procurado, o grego Sófocles, morrera em 406 a.C. Mas isso não impediu que, algum tempo depois, a Secretaria de Segurança Pública do Rio proibisse em Niterói a encenação de Édipo Rei, outro de seus textos. Alegou-se o mesmo de antes: a obra era subversiva”.

  • Antônio Carlos Barbosa

    Quanta falta do debochado do Stanislaw Ponte Preta, para tirar sarro do momento político atual. Tempos de gente cínica e desavergonhada, onde já se viu, pedir pela liberdade de bandidos condenados, como Lula, José Dirceu, dentre outros e gritar chamando de Mito, um sujeito totalmente sem juízo e acompanhado de três filhos sem noção do público ou do privado, sentindo-se filhos do rei. Que tempos estranhos vivemos. Querem colocar o Xerife na cadeia e soltar os bandidos.
    Lamentável a ausência d Ponte Preta, teríamos criticas maravilhosas com muito humor, da nossa triste realidade, sendo um pessimista realista.
    Infelizmente, veja que a cada legislatura das câmaras municipais, estaduais e federal, somente o nível piora, igualmente no poder executivo, pois a cada novo mandato, piora a gestão.

    O que está ruim, poderá piorar e muito.

  • Índigo

    olvido eterno… muito bom!