Íamos à sessão domingueira do Cine Plaza, no Poço, em bando. Queríamos ver os nossos heróis a aplicar lições nos malfeitores – era a época em que eu torcia pela cavalaria; hoje torço pelos índios. Mas, além das disputas no futebol, o cinema era a programação imperdível do final de semana. Chegava ao velho Plaza com o dinheiro contado, a que eu fizera jus engraxando os sapatos de toda a família, ou encerando a casa (quando a cera não era líquida nem os pisos brilhavam apenas pelo esfregar de um pano molhado. Era dureza!). A grana dava até para comprar o sorvete e ainda ver o “trêlo” – trailler veio bem depois – da atração da semana seguinte.

Inesquecíveis, depois, foram as sessões do Cine São Francisco, em Penedo, reduto preferido das minhas férias. “Você guarda a cadeira para mim?” Se a resposta da garota fosse “sim”, logo me vinha um friozinho na espinha e a certeza de que um novo e juvenil amor estava para nascer, infinito enquanto durasse.

O primeiro filme, porém, do qual lembro ter assistido e saído do cinema sinceramente comovido foi A Abdicação de uma Rainha, com Liv Ullmann – que vi no finado São Luiz -, que me emociona até hoje nos filmes de Bergman, entre outros. Talvez estivesse descobrindo ali a arte que me toma o coração na mesma proporção da inseparável música e dos “livros, livros à mancheia”.

Com o olhar no retrovisor, penso ter sido Fellini, em seu magnífico Amarcord, que me fez descobrir de verdade Charles Chaplin, insubstituível no meu céu particular. Acho que foi com o genial artista inglês que os grandes nomes do melhor cinema italiano – nada mais clapliniano do que Giulietta Masina em Noites de Cabíria ou em A estrada da vida – aprenderam a pintar obras-primas na telona. Sim, ensinou o mestre, é possível fazer rir, chorar e pensar, numa mesma história.

Entre os diretores contemporâneos, talvez aquele a quem mais admiro – apesar da pequena cinematografia – seja o canadense Denys Arcand. Não é pouco o que ele consegue fazer em duas horas de película. Por exemplo, em A Era das Trevas – cujo título foi traduzido para o português, com muito mau gosto, como A idade da Inocência -, ele faz o mundo parar para nos dizer: “Olha só no que nos tornamos” (é dele, também, As Invasões Bárbaras). Apenas Saramago e sua literatura franca e original têm tal poder – e no universo da palavra escrita.

Injusto e inadmissível seria esquecer o que os argentinos, Juan José Campanella à frente, têm feito pelo bem da sétima arte (o Brasil “optou” pelas novelas) – e continuam fazendo.

É, talvez, um exercício temerário e impreciso selecionar algumas das cenas que mais me tocaram nas salas de cinema ou no aconchego de minha casa – o que a tecnologia, ajudando a minha preguiça, agora me proporciona. Mas até arrisco alguns palpites:

– os dez segundos de atordoante perplexidade da personagem de Meryl Streep, em magistral atuação, em A escolha de Sofia;

– a cena final, absurdamente romântica, de A Igualdade é Branca, de Kieslowski;

– A solidão saudosa – de si mesmo – do personagem central de Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore,  revendo a sua vida passar na tela em pequenos fragmentos guardados por “Alfredo”;

– A saciedade da “vingança” no cárcere privado do criminoso de O segredo dos seus olhos;

– Chaplin… Bem, essa seleta já começa a ficar difícil demais. A ele, Chaplin, a minha reverência e gratidão por ter existido – e que bom eu ter vivido o suficiente para entendê-lo e amá-lo.

É claro que gosto de tantos outros filmes e diretores o bastante para continuar em busca de novas emoções. E graças a eles – e elas -, também, permanece viva a minha convicção de que ainda vale a pena continuar por aqui. E com a certeza de que viver seria impensável sem a arte.

(“A arte existe porque a vida não basta” – Ferreira Gullar.)

Moradores do Pinheiro precisam de atenção e comunicação permanentes
O ministro mentiroso, o brasileiro ladrão e a dentada do pitbull
  • Zé MCZ

    Rapaz!…
    Passou um filme na minha cabeça!
    O que você descreveu é a autêntica intelectualidade, sem qui seja preciso passar na universidade para (ser o) tal! É caminhar com os pés bem apoiados no chão firme, sempre aprendendo(absorvendo e descartando) com nossas convivências, livros, filmes e…
    Vida que segue!(Costa Cabral rádio Difusora AL )
    Recordo me das sessões matinais no cine São Luís, aos sábados. A galera matava a partir da terceira aula e…
    #partiucinema
    Confesso que também economizava para pagar o ingresso. Vida financeira difícil, mas havia uma convivência social sincera, bem diferente do que se vê atualmente…
    Tudo o que vivenciamos é verdadeiro, sólido, por mais que a física quântica diga que é tudo oco, como num buraco de minhoca. Que seja! Não há relatividade. Marx e Albert que se entendam!
    Com todos os percalços
    La Vita È Bella!

  • Há Lagoas

    Excelente cronica, meu caro , mesmo que desconheça grande parte daqueles que aqui foram mencionados – tirando Chaplin, é claro – é evidente sua maestria pelo bom gosto do que a arte produz.
    Mas magistral ainda é você utilizar uma frase de Ferreira Gullar no final do texto! Isso é uma prova inconteste de que você está acima das ideologias pessoais, e consegue ver beleza até em quem expõe as vísceras daquilo que defendemos.
    Minha profunda admiração pelas crônicas domingueiras.
    Um excelente domingo a todos.

  • JEu

    Bom dia, Ricardo. Concordo plenamente com vc quando cita Ferreira Gullar: “A arte existe porque a vida não basta”. A verdadeira arte, seja nas pinturas, na música, no cinema, nas esculturas e outros trabalhos impressionantes (quem já chegou perto da incrível obra “Pietá” de Michelangelo) não pode deixar de ficar maravilhado com a capacidade humana de produzir o belo e o puro… agora, nos dias “modernos” tem coisas que não consigo aceitar como “arte”… e a TV e as galerias de “arte moderna”, muitas vezes, trazem “obras” ou fazem “encenações” que, a meu ver no meu sentir, estão mais para a ilusão, a degradação ou o rebaixamento do ser humano… pois considero (é minha opinião…) que a arte é um instrumento de “elevar” o ser humano à alturas do bom, do bem e do belo (e a natureza é pródiga nesse sentido…) jamais concebido ou tentado por nossa espécie… nos faz sonhar e, ao mesmo tempo, sofrer com a (ainda…) incapacidade que, muitas vezes, nos assalta a intimidade em produzir, em nós mesmos, “algo” de superior em busca daqueles ideais de verdadeira nobreza, altruísmo e fraternidade… gostei demais do texto de hoje. Bom domingo.

  • Antonio Moreira

    Eu fui de um tempo onde aparelho de televisão era um privilégio de poucas casas e
    a maioria do povo recorria a televisão da praça pública principal da cidade.
    Os cinemas CECI e Os Paladinos eram umas das melhores coisas daquele lugar.
    Adorava assistir tudo, até “Tarzan na selva limpando e cutucando o cotovelo com serrote”,
    mas o que faltava era o dinheiro da entrada.
    Ah, meu Deus, que vergonha, já cheguei pedir que alguém estranho pagasse o ingresso!
    Depois dos 14 aos de idade, comecei a trabalhar, aí sim, pagava com o suor do meu rosto.

    Eu já era um rapazinho – um dia, marquei com uma mocinha para se encontrar dentro do cinema CECI.
    Na mesma noite, aproveitei uma carona e fui para a cidade vizinha em busca de outras princesinhas.
    A menina não perdeu a viagem, pois o meu irmão gêmeo foi ao cinema e ficou com ela por ano e meio.
    Arrumei uma namorada na cidade vizinha, mas a condução(transporte)???

    Hoje, que tristeza – O Ceci só resta um paredão, arriscado a tombar e causar
    tragédia. Os Espaladinos, de longe a gente pensa que é a porta do cemitério.

  • Sertanejo ENLUTADO esperando Justiça e PAZ com FÉ

    Êita Ricardo … Meryl Streep aos 69 d idade c’1 metro e 68. – Hum! [Vc acima de tudo]
    Perplexidade e PASMO ant’escolha de Sofia de G-Diniz @cima de todoXs: Jeniffer!
    > Ela, a PATROA conXume e Xinga: ‘Xend’o Xaco c’a PERUA cidadÃndU
    – Peraí, NUM é da Xua conta: Vc paga m’aX contaX e ki ‘tô fazend’aKi?
    > Encontrei no Tinder, NUM é m’a namorada: poderia ser, é JENIFER!
    – Faz umas paradas, Ãh … – Q’eu num faXo com Vc, cuma t’explicar MOZÃO?
    DE Jr Lobo e T Alves + T Gui e A Rodrigues – Carnaval 2019
    youTUBADO em 2min 47s _ https://youtu.be/D2rG7pXd2LY

  • Luiz Antônio Maciel de Araujo

    Não me abstenho de reconhecer, em cinema e poesia o sr. encontra a redenção para suas opiniões políticas contaminadas pelo comunismo e inconfessos interesses menores, parabéns pela crônica!

  • Joilson Gouveia Bel&Cel RR

    Do assestado aqui, pelo nosso “Peninha”: “Queríamos ver os nossos heróis a aplicar lições nos malfeitores – era a época em que eu torcia pela cavalaria; hoje torço pelos índios”.
    Embora reconheça o averbado por Immanuel Kant: “O sábio pode mudar de opinião; o idiota nunca”. Atiçou minha curiosidade, “Peninha”: quem são os “índios”, de hoje?
    Onde a “cavalaria” moderna ou atual? 😉
    Ferreira Gullar mudou e confessou, antes de morrer: descobriu toda a farsa que existia e há, e não somente na “arte”, mas, sobretudo, na ideologia que seguia, até conhecer à realidade imposta por ela (ideologia) aos cidadãos e às cidadãs!
    – Confesso, também, que fui iludido por ela enquanto acadêmico, nos idos de UFAL, mas descobri todo o engodo ardiloso enganoso e enganador do refrão (“brilha uma estrela”) que nunca teve luz nem jamais brilhou; só burlou! (y)
    Anelo que mudes, também, claro! Ah! E nunca é muito tempo, viu!?
    Abr
    *JG

    Meu caro Coronel:

    Ao menos no domingo, que tal dar um sossego à alma?
    Saudações chaplinianas,

    Ricardo Mota

  • Antonio Carlos Barbosa

    Ferreira Gullar talhou de forma perfeita “a arte existe porque a vida não basta”.

    É o que basta.