A um passo do desperdício

Sempre tive uma relação amena com o tempo, sem asperezas ou efusividades. Afinal, desde há muito, eu sei que este senhor, sem idade, sem pendor, só tem apreço pela eternidade, e eu vou apenas passando, celeremente, como é próprio dos mortais que assim se reconhecem.

Por esses dias, o meu corpo tem vergado ao peso dos tempos de agora, que me parecem tão medíocres, tão sem poesia. Mas nada que não possa ser deixado para trás logo que eu me refaça em um leito que os do Sertão ainda usam como urna funerária: uma rede.

Coincidência ou não, decidi que a minha leitura inicial de férias será Em busca do tempo perdido, o clássico de Marcel Proust, que se anuncia como mais uma travessia, dolorosa e não menos prazerosa.

Nada, porém, tão definitivo e viciante como tem sido sempre, tantas vezes eu atravesse o Liso do Sussuarão, o Grande Sertão: veredas, o livro que me fez cativo.

Perdoem-me a pressa, nesse instante, às vésperas da preguiça, mas o tempo que resta basta apenas ao desperdício (talvez este o meu melhor ofício).

(Agradeço aos tolerantes e pacientes leitores deste espaço, que foram responsáveis por mais de 5,8 milhões  de acessos em 2017. Vocês são demais!)