(O texto abaixo foi publicado na revista do Fórum de Combate à Corrupção de Alagoas – FOCCO – e é autoexplicativo.) 

Um pedaço importante da história brasileira do combate à corrupção foi atingido pela Prefeitura Municipal de Maceió, bem em frente ao prédio do Ministério Público Estadual. Quero crer que involuntariamente, mas o fato não pode, nem deve ficar despercebido.

No início da década de 80 eclodiu um dos pioneiros e emblemáticos escândalos envolvendo práticas de corrupção no Brasil, o chamado “Escândalo da Mandioca”. Esse escândalo foi o resultado de uma enorme fraude praticada no Município de Floresta/PE, que consistiu no envolvimento de diversas pessoas da região sertaneja do Vale do Pajeú, na obtenção de crédito agrícola junto ao Banco do Brasil para o plantio de mandioca, cebola e melancia e outras culturas.

Fazendeiros, funcionários do banco, fiscais, servidores públicos, um deputado estadual e um major da PM foram os autores desses crimes, que para tanto usavam agricultores “fantasmas” ou “laranjas” e propriedades fictícias na obtenção do crédito, e no momento de seu pagamento alegavam a perda total da lavoura inexistente em razão da seca, e com isso obtinham a sua quitação através do programa PROAGRO. Nenhum pé de mandioca fora plantado e os recursos destinados à agricultura eram desviados para a compra de carros, terrenos, construção de casas suntuosas, terrenos, viagens, etc., num montante de 1,5 bilhão de cruzeiros (cerca de R$ 34 milhões em valores atuais). Parte do dinheiro servia para corromper funcionários do banco e outros envolvidos.

Essa prática criminosa teve início em 1979, durante o governo militar do general Figueiredo, e, como de costume, envolvia políticos ligados ao partido no poder (PDS), além de “coronéis” do sertão nordestino. Nesse momento, os políticos de oposição não tinham entusiasmo para denunciar um esquema dessa ordem, e a imprensa brasileira ainda vivia sob relativa censura. Os órgãos de investigação sequer tinham autonomia para apurar nada que afetasse o poder político e econômico.
membro do Ministério Público Federal passou a apurar esse caso, que tinha tudo para ficar abafado, mas, graças à sua tenacidade, suas investigações levaram ao desmantelamento do esquema, com prisões e arresto de bens dos envolvidos. Em janeiro de 1982 o procurador da República Pedro Jorge Melo e Silva apresentou à Justiça Federal extensa denúncia contra 25 pessoas implicadas no escândalo.

Vivíamos um período em que o Ministério Público não tinha os poderes e garantias que hoje tem, conferidos pela Constituição de 1988. Autonomia ainda era impensável ao MPF que era vinculado ao Poder Executivo e o Procurador-Geral da República sequer era indicado dentre os integrantes da carreira. Os membros do Ministério Público (promotores de Justiça e procuradores da República) não tinham as garantias da independência funcional e da inamovibilidade. Tanto que 2 meses após a denúncia, quando as pressões políticas já eram enormes, o Procurador-Geral da República afastou Melo e Silva do caso, sob o pálio de suspeição, nomeando outro membro do MPF para substituí-lo.

Nesse contexto, por vingança, alguns dos denunciados pelo esquema planejaram a morte de Pedro Jorge, e para tanto contrataram o pistoleiro Elias Nunes Nogueira. A vida desse valoroso servidor público, nascido em Alagoas, foi ceifada no dia 03/03/1982, com 3 tiros, numa rua de Olinda, onde morava, deixando viúva e duas filhas pequenas, de 2 e 5 anos. Os mandantes o fazendeiro Irineu Gregório Ferraz e o major PM José Ferreira dos Anjos, ainda contaram com apoio de outros envolvidos. O crime chocou o Brasil e mobilizou autoridades federais. Logo foram identificados e presos seus autores, fazendo com que o “Escândalo da Mandioca” chegasse ao noticiário nacional.

Os acusados pelo homicídio foram condenados e depois de muito tempo, todos cumprem pena, após ficarem foragidos por anos. Os acusados pelas fraudes e corrupção tiveram seu julgamento somente concluído em 2013, sendo condenados a penas que variam de 16 a 4 anos de reclusão e perda dos bens.

Melo e Silva tornou-se um mártir do combate à corrupção e mereceu diversas homenagens póstumas. Por ser natural de Maceió, aqui também foi louvado, tendo a então prefeita Kátia Born sancionado a Lei Municipal nº 4.945, de 06/01/2000, de iniciativa da Câmara de Vereadores, que denominou a antiga Rua Tabajaras, no Poço, como Rua Dr. Pedro Jorge Melo e Silva. Nesse logradouro à época funcionava a sede da Justiça Federal e atualmente abriga um prédio do Ministério Público Estadual, sediando a Procuradoria-Geral de Justiça.

Eis que, no início deste ano, numa atitude incauta algum desavisado funcionário trocou antiga placa existente dessa rua, substituindo-a pela placa da Av. Deputado Humberto Mendes, na confluência com a Rua Pernambuco. Para melhor situá-los, a referida avenida é a que margeia o riacho Salgadinho desde a Avenida da Paz, porém, exatamente a partir da esquina do prédio do Ministério Público, passa a denominar-se Rua Dr. Pedro Jorge Melo e Silva, em homenagem a um servidor público símbolo no combate à corrupção, como também são o fiscal de tributos Silvio Vianna, aqui de Alagoas, e o promotor de Justiça Francisco José Lins do Rego Santos, de Minas Gerais, que da mesma forma tombaram vítimas de mãos criminosas inconformadas com suas atuações firmes.

Hoje nenhum maceioense ou visitante saberia localizar essa rua, pois placa com tal nome não existe. No ano em que se completa 35 anos da morte de Pedro Jorge Melo e Silva, que faria 70 anos se vivo estivesse, seria importante que a Prefeitura de Maceió reparasse esse erro espontaneamente. O objetivo desse texto é despertar as autoridades municipais para esse lamentável engano. Num momento histórico, onde a corrupção e suas vertentes tem protagonizado o debate político nacional, e que personagens envolvidos despontam cada vez mais fortes nesse cenário, tanto como investigados ou como investigadores, não podemos apagar de nossa memória nem tampouco podemos deixar cair no esquecimento o exemplo de coragem e espírito público deixado pelo alagoano Pedro Jorge, que estava no cumprimento do seu dever.

  • É promotor de Justiça e coordenador do Fórum de Combate à Corrupção em Alagoas-FOCCO/AL
    Veja aqui a Matéria do Globo Repórter (prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos em 1982)

 

 

Joãozinho Pereira vai do céu ao inferno em menos de um mês
Cadeira de Washington Luiz no TJ já é alvo de especulação nos bastidores
  • JEu

    Realmente, um lamentável equívoco que cabe aos órgãos responsáveis da Prefeitura de Maceió corrigir… Quanto ao criminoso esquema de corrupção, é preciso que o cidadão compreenda que tudo isso pode deixar de existir, ou, pelo menos, ser contido em limites bastante baixos (o ser humano é imperfeito por natureza) desde que todos se tornem ativos no combate ao erro… talvez seja necessário introduzir na cultura brasileira uma espécie de “tolerância zero” com o malfeito, a partir das coisas mais comezinhas, ou seja, começando pelo próprio cidadão aprendendo a respeitar filas, trânsito, normas de limpeza da cidade, normas de convivência social tais como: som alto e respeito ao horário de silêncio para descanso, etc, etc… lembro que alguém mencionou alhures o seguinte: se quiser consertar o mundo, tem que consertar o homem primeiro…

  • treal

    Parabéns ao Promotor José Carlos Castro.
    Essa ocorrência é profundamente lamentável.
    Esperamos que tenha sido realmente um ato involuntário.

  • Hélio Augusto

    Parabéns pelo artigo e que a Prefeitura de Maceió reponha com brevidade a placa considerando a merecida homenagem. O Promotor Pedro Jorge de Melo e Silva precisa ser lembrado eternamente pela contribuição que prestou à sociedade.

  • Joilson Gouveia Bel&Cel RR

    Reenviando-o para eventual edição, a saber:
    AUTONOMIA PRECISA DE PODERES E GARANTIAS OU BASTA GALHARDIA?
    Joilson Gouveia*
    A propósito das assertivas indignadas e aqui transcritas, no renomado Blog do Peninha, sobre as reminiscências do diligente promotor, mormente quanto ao descaso e seu procedente, pertinente e até justo “protesto” quanto ao pioneiro, bravo e imolado homenageado póstumo enquanto vítima fatal dos corruPTos e corruPTores desde os áureos tempos da famigerada e ignominiosa “ditadura-militar”.
    Entrementes, nada obstante e a toda evidência, para evitar açodadas, indevidas e infames interpretações descabidas ou despropositadas, é imprescindível destacar alguns senões discrepantes ou díspares e desconcordantes do referido “protesto”, a saber:
    • “Essa prática criminosa teve início em 1979, durante o governo militar do general Figueiredo, e, como de costume, envolvia políticos ligados ao partido no poder (PDS), além de “coronéis” do sertão nordestino. Nesse momento, os políticos de oposição não tinham entusiasmo para denunciar um esquema dessa ordem, e a imprensa brasileira ainda vivia sob relativa censura. Os órgãos de investigação sequer tinham autonomia para apurar nada que afetasse o poder político e econômico.” (Sic) Sem destaques no original.
    – Será que só aí teve início? Ora, em sendo contumaz, como aduzido, era prática bem mais antiga e anterior; ou não? “Os políticos de oposição não tinham entusiasmo” e a imprensa vivia censurada, ainda que “relativa”? Ora, e como o caso eclodiu senão pela imprensa? Faltavam-lhes entusiasmo ou coragem ou eram cúmplices por omissão? Ao que se sabe, os membros do Parquet, enquanto fiscais-da-lei, sempre tiveram mais que autonomia para tal (detinham um plus; o poder-dever ínsito ao cargo – múnus publicus, dever, ex-officio) tanto é que o bravo, intrépido e destemido imolado o fez – coisa que faltava (e ainda falta e muito) em muitos senão na imensa maioria, mesmo após a Carta-Cidadã; ou não?
    • “membro do Ministério Público Federal passou a apurar esse caso, que tinha tudo para ficar abafado, mas, graças à sua tenacidade, suas investigações levaram ao desmantelamento do esquema, com prisões e arresto de bens dos envolvidos. Em janeiro de 1982 o procurador da República Pedro Jorge Melo e Silva apresentou à Justiça Federal extensa denúncia contra 25 pessoas implicadas no escândalo.” (Sic.)
    – Mas, como soe acontecido, a dona justiça é cega, quando não lenta, morosa e leniente e, no mais da vez, conivente! Ainda que detentora de símiles “poderes e garantias”; ou não?
    • Vivíamos um período em que o Ministério Público não tinha os poderes e garantias que hoje tem, conferidos pela Constituição de 1988. Autonomia ainda era impensável ao MPF que era vinculado ao Poder Executivo e o Procurador-Geral da República sequer era indicado dentre os integrantes da carreira. Os membros do Ministério Público (promotores de Justiça e procuradores da República) não tinham as garantias da independência funcional e da inamovibilidade. Tanto que 2 meses após a denúncia, quando as pressões políticas já eram enormes, o Procurador-Geral da República afastou Melo e Silva do caso, sob o pálio de suspeição, nomeando outro membro do MPF para substituí-lo.” (Sic.) – Sem destaques no original.
    Teriam, pois, levado mais de 25 anos para descobrir tais “poderes e garantias” – ainda assim: somente os intrépidos membros da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato, alcunhados de “meninos de Curitiba”, e o determinado, diligente e destemido magistrado Sérgio Moro (no mais da vez, chamado de perseguidor parcial e seletivo, pela escória escarlate e imensa maioria da mídia composta de “agentes-de-transformação-social”), os quais têm sido mais profícuos, proficientes, producentes, eficientes e diligentes que as tais “altas cortes totalmente acovardadas”; ou não? Por que só estes têm denodo, galhardia e valor?
    Aliás, supino destacar, que esses tais ‘poderes e garantias” estão ameaçadíssimos em face da novel lei CONTRA os “abusos-de-autoridades-abusivas”, tecida, tramada e urdida no Senado, por certos paladinos senadores; ou não? Inclusive, já discorremos sobre esse perverso, maléfico e danoso senão gravoso, pernicioso e acintoso privilégio desmesurado, benesse e sinecura descomunais, a saber: http://gouveiacel.blogspot.com.br/2016/09/precisamos-acabar-e-com-o-foro.html. Aliás, sempre fomos contra as tais imunidades ou “impunidades”, a saber: https://jus.com.br/artigos/2235/imunidade-ou-impunidade, escrito em 1996.
    E mais, a saber: http://gouveiacel.blogspot.com.br/2016/11/abuso-de-autoridade-das-autoridades.html.
    Eis, pois, o que havíamos dito, recentemente, sobre os reflexos refletidos pelos desbragados, desastrosos e devastadores desgovernos de matizes escarlates, desde a debacle redemocratização, a saber:
    • “Assim, como “cada povo tem o governo que merece” e, por conseguinte, quando este (governo) dá inequívocas provas (como se pode ver, ler, ouvir e assistir das mais recentes “delações-premiadas”) de ser tão ou mais criminoso que os demais criminosos-comuns, isso reflete, direta e indiretamente, no imaginário popular mediano de um povo idiotizado, lobotomizado, ideologizado, despolitizado, analfabeto e subliterato de “arvorar-se nos mesmos direitos” de cometer delitos e crimes semelhantes, iguais ou piores: “as palavras convencem, os exemplos arrastam”! Ou não?
    • Enfim, temos dito e reiterado: sem castigo não há solução, a saber: http://gouveiacel.blogspot.com.br/2013/10/sem-certeza-do-castigo-nao-ha-pena-que.html.
    • Abr
    *JG
    P.S.: urge endireitar nossa espoliada nação!” in http://gouveiacel.blogspot.com.br/2017/04/eureka-o-insoluvel-busilis-tem-solucao.html
    Enfim, precisamos de mais denodo, valor, galhardia, patriotismo e civismo e menos cinismo!
    Abr
    *JG