A história humana nos autoriza a especular que o ódio une mais as pessoas do que aquilo que poderíamos chamar de amor.

Não pretendo ser tedioso a dar exemplos seguidos, sem fim, atuais ou ancestrais. Qualquer um de nós será capaz de fazê-lo sem enfrentar obstáculos na memória.

Mas, por esses tempos, eis que este incontível vírus se espalha de forma endêmica como em tantos outros momentos da nossa existência como espécie: sempre dividimos o mundo entre “eles e nós”. É mais apropriado afirmar: “eles ou nós”.

Seria um exagero dizer que o ódio é uma das mais primárias manifestações humanas? Talvez não.

O ódio é em tudo semelhante à paixão, ainda que nos possa parecer seu antípoda. Ambos, por exemplo, não permitem dúvidas, se fortalecem nas certezas absolutas, em um processo de retroalimentação para o qual ainda não encontramos vacinas ou um remédio eficaz.

É como se ele, o ódio, vivesse em permanente mutação, para que se torne inalcançável ante as mais celebradas descobertas do homem: um bichinho invisível, a corroer corações e mentes como nenhum outro foi capaz de fazê-lo.

Imagino, pensando alto, que não há um único ódio: são vários, cotidianos, a se amalgamar visceralmente quando surge algo capaz de nos parecer o canal por onde podemos expressá-lo na coletividade, compartilhando-o com outros, que também o carregam, ainda que sem processá-lo racionalmente, identificando-o na sua origem. Seria perda de tempo e energia, desculpamo-nos.

Em um dos seus ensaios sobre o “desvio do objeto da paixão” (livro I), Michel de Montaigne, ao estilo, narra a história de um fidalgo, doente de gota, que, pressionado pelos médicos a não consumir carnes salgadas, “acostumara-se a responder muito espirituosamente que desejava ter o que culpar pelos ataques e tormentos do mal e que vituperando e maldizendo ora o salsichão, ora a língua de boi e o presunto, sentia-se proporcionalmente aliviado”.

Que ninguém se iluda imaginando que o filósofo francês fique nesta gracinha: “A alma estimulada e posta em movimento se perde em si mesma se não lhe dermos uma presa: é preciso sempre lhe fornecer um objeto sobre o qual ela se lance e atue”.

Não, gente, o vírus da zika não seria capaz de tamanha proeza no cérebro humano. As alterações biológicas provocadas por ele são terríveis, mas, ao seu tempo, o homem será capaz de barrá-lo – disso, eu não duvido.

Quanto ao ódio, este continuará a ser um desafio permanente para nós e para os que nos sucederem.

Ah, como Montaigne dá desfecho ao seu breve ensaio?

– Nunca diremos injúrias bastantes ao desregramento de nosso espírito.

Paro por aqui porque hoje é domingo.

 

Novo secretário de Segurança é mistério até para Renan Filho
"A janela da infidelidade só piorou o quadro partidário"
  • JEu

    Eita que dessa vez você se superou, meu caro Ricardo. Acho que realmente o ódio é uma manifestação muito primária do espírito humano. Está arraigado nos refolhos da alma tanto ou mais quanto as raízes de uma árvore estão incrustadas na terra, ou seja, na lama… Creio que preciso é muito esforço para o ser humano se desvencilhar de tal instinto animalizado pois, segundo a lei da evolução, na natureza só os mais fortes e mais preparados sobrevivem… Por isso, creio, que Jesus afirmou que, para alcançar o Reino (aqui digo, para mim, o estado de felicidade) é preciso aprender a amar os inimigos, ou seja, vencer o ódio… Como está intimamente ligado ao sentimento de consideração que ligamos à nossa própria pessoa (sempre queremos ser o vencedor), o orgulho e o egoísmo é a base onde se ergue o ódio, daí Jesus também disse que para ser o maior no Reino (da felicidade) é preciso ser o escravo (ou servidor) de todos, ou seja, ser humilde de coração… No entanto, creio que devemos deixar bem claro que não podemos confundir ódio com sentimento de indignação, pois o ódio, como dito, nasce de sentimentos primários, enquanto a indignação nasce do sentimento de justiça, pois nos indignamos contra tudo o que é errado e que prejudica a nós e/ou aos outros… Bom domingo, Ricardo.

  • Há Lagoas

    “Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo” a falsa citação de François- Marie Arouet, mais conhecido pelo cognome Voltaire diz muito a respeito de nossa origem adâmica.
    Ela é falsa duplamente, Voltaire nunca escreveu isso, em meus debates dificilmente encontrei alguém disposto a evidenciar isto – inclusive eu.
    A velha máxima ainda serve: é preciso saber amar, esta é a resposta.
    Um excelente domingo para todos nós.

  • Pedro

    Caro Ricardo, vejo nos dias de hoje as pessoas com um ódio mortal ao ex-presidente Lula, Dilma e ao PT, alguns por terem seus interesses ferido, é o caso dos servidores da justiça federal, motivo, veto ao aumento salarial de 79% salvo engano, concedido irresponsavelmente pelo senhor Renan Calheiros. Outros em nome da corrupção. Esses que falam em nome da corrupção. A hora de mostrar na pratica sua insatisfação com políticos corruptos, esta se aproximando. As eleições municipais, vamos ver se esse pessoal que querem combater a corrupção, vai ter a coragem de votar em um candidato ficha suja? Ou será que o grito, fora corruptos! Que dizer (desde que o corrupto não seja o meu).

  • Marina

    Preciso e apropriado. Entendo que você trata não apenas da questão política, mas do nosso cotidiano. Temos dificuldades de identificar em nós mesmos o mal que nos corrói. Pensar sobre isso é mais do necessário.

  • AAraujosilva

    “Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
    O amor da Humanidade é uma mentira.
    É. E é por isto que na minha lira
    De amores fúteis poucas vezes falo.” (A.Anjos)
    Dissestes muito bem, Ricardo, o ódio, de fato, é em tudo semelhante à paixão/amor, muito embora pareça ser seu antípoda. Amor/paixão pode, facilmente, se espraiar no tempo; já o ódio, via de regra, é eterno a gente o retro- alimenta, sem tréguas ao odiado. É do gênero humano.

  • Joilson Gouveia Bel&Cel RR

    A misofobia escarlate é renitente, ranzinza e recalcitrante
    Joilson Gouveia*
    Malgrado, nada obstante ou a despeito de sub-reptícias, dissimuladas e escamoteadas mensagens, ensaios ou “parábolas” convenientes de objetos subliminares, que alguns esquerdistas ditos “inteligentes” costumam pulverizar, disseminar e propalar aos quatro cantos, plagas e rincões desse nosso “mundo tupiniquim”, que dominam-na como se fora a “casa de mãe Joana”, para lograr ingênuos, pueris e inocentes cidadãos e cidadã que comovem com essas ditas “verdades” – já se foi dito: a verdade é vermelha, visite nosso Blog.
    Ao ensejo, permita-me o dileto, renomado e culto blogueiro “Peninha” transcrever o texto infra postado noutro Blog de “odiado” concorrente midiático, na gazetaweb.com, a saber:
    MISOFOBIA ESCARLATE UMA PRÁXIS COMUNAPETRALHISTAS
    Joilson Gouveia*
    O “ÓDIO”, aqui referido, lembrado e até reiterado pelo arauto escarlate senil ensandecido ou entorpecido por alucinógenos prescritos por “médicos cubanos” – onde andarão tais altruístas samaritanos solidários curadores sanitaristas curativos (?) – ou quem sabe se por cannabis sativa paraguaia, ou algum outro psicotrópico que lhe faz a cabeça para tantos devaneios tresloucados e desvarios e sandices, sempre fora a bandeira mais forte das bravatas, bazófias e loquazes perorações deLLe, Luís Li, o “asceta de prístinas virtudes”, o virtuoso, imaculado, probo e o “mais onesto dessepaiz”, deLLa e dos comunapetralhistas, sobretudo daquela “muié sapiens” Chauí, que adora a classe média, que sempre usaram das falácias: “nós” versus “eles” – naquele arcaico, obsoleto, superado, puído e esfarrapado decálogo de Lênin. A misofobia é práxis escarlate comunapteralhistas!
    Os mais de sete milhões de “arianos” da “zelite branca” ou de “coxinhas, golpistas e reacionários ou fascistas” ou de mercenários ainda que voluntários, espontâneos e gratuitos cidadãos e cidadãs decentes, honestos, honrados e de BEM, sozinhos ou acompanhados de seus amigos e familiares, de bebezinhos aos avós, mas, unidos, juntos e misturados movidos pelo mesmo sentimento único, cívico, pacífico, patriótico e democrático de uma brasilidade urbana, alegre e pacata em tons e cores verde-amarela-azul e branca e de indignação, aversão, repúdio e abominação nacional, sobretudo nauseados, enojados, envergonhados e decepcionados com a corrupção de seus corruPTos e corruPTores praticadas por quem antes dissera lutar e combater: a corrupção! Mas…
    O FATOR REAL DE PODER de uma democracia, ou seja, o essencial, fundamental, básico, elementar e o soberano, real, concreto e manifesto, claro, ostensivo, patente e presente Poder, que é de seu povo livre, espontâneo e voluntário, enquanto nação patriótica, que deu seu recado alto, claro, forte, objetivo e direto, nas mais de 425 cidades brasileiras e nalgumas do exterior: FORA, DILLMA! FORA, JARARACA! FORA, CORJA DE CANALHAS! IMPEACHMENT, JÁ!
    Enfim, ufanados, orgulhos e rejubilados, reconheceram, enalteceram, destacaram e elogiaram aos trabalhos desenvolvidos, desempenhados e derivados da Operação Lava-jato, que tem lavado a alma cívica desses brasileiros e brasileiras de BEM, que saíram às ruas bradando “somos todos Sérgio Moro”; “somos todos MPF, MP e PF e Força tarefa de abnegados, destemidos e intrépidos procuradores, promotores, delegados e policiais federais e estaduais e etc.” Noutras palavras, demonstraram, exigiram e instaram uma ávida sede por Justiça, respeito e cumprimento às Leis e Constituição Federal, sem mais e sem menos, apenas que as leis sejam cumpridas, respeitadas e obedecidas, mormente por quem deveria dar o exemplo, sobretudo por tê-la jurado por duas vezes seguidas; ou não?
    Portanto, sem ódio, sem vindita, revanchismo ou raiva, mas implacável, inflexível, insensível, impassível e imparcial nos exatos liames legais da ISONOMIA, como deve ser em quaisquer democracias. TODOS SOMOS IGUAIS PERANTE A LEI E ESTA É PARA TODOS, IGUALMENTE! OU NÃO?
    Abr
    *JG”
    Ei-lo, na íntegra, a saber:
    http://gouveiacel.blogspot.com.br/2016/03/misofobia-escarlate-uma-praxis.html
    Enfim, em que pese apaixonadas paixões, numa república democrática, humanitária e de direito, urge, por imperativo imperioso, respeitar, cumprir e fazer cumprir, sobretudo obedecer às regras de nossa Lei Fundamental insculpidas na Carta Política Cidadã, no mais são bravatas, bazófias e loquazes, mendazes ou falaciosas convicções tíbias, pífias e inanes, para tentar explicar o inexplicável e/ou mesmo justificar o injustificável. Dura lex sed lex – patere legem quaem fecistis!
    Tenho dito!
    Abr
    *JG

  • Eduardo Lopes

    Além de tudo, é enfadonho o “dono da verdade”. Excelente texto.