Desconfio que ela não gosta de se exibir, de se mostrar nas vitrines de avenidas ou nos grandes espaços abertos. Parece ser próprio da delicadeza, minimalista que é, habitar os recônditos lugares em que não se faz visível. Mas quando encontrada, eis que será impossível desconhecê-la.

Ainda que exibida na tela do cinema, nas galerias de arte, nos livros espalhados por gigantescas estantes, sua presença será sempre dissimulada, mascarada de coisas tão comuns quanto ignoradas na correnteza da vida. Enxergá-la – eis um grande desafio posto a cada um de nós.

A delicadeza residirá, quem sabe, nas surpresas do cotidiano, e mesmo se repetida como um pingo de chuva a atingir persistentemente a pétala já molhada, brilhante, há de tocar com a suavidade de um primeiro encontro, inaudito prazer. 

Estará certamente no olhar da mãe a ver o filho repousar imerso em sono profundo, e a lhe provocar a sensação de um sonho bom, aquele que já ousou um dia qualquer. Será ela, e não o desejo de protegê-lo das dores do mundo, que lhe fará deixar tombar uma lágrima, também esta de pura delicadeza, a dar assinatura ao quadro que revela a beleza da existência humana.

Escondida, sem anunciar presença, se manifestará no silêncio de compreensão ao amigo por seus iracundos protestos e lamúrias aos fatos corriqueiros, os que se repetem impiedosamente, a exaustão, com todos e qualquer um, mas que serão insuportáveis naquele dia em que imaginamos que o mundo nos escolheu como alvo da sua mais ardilosa conspiração. Então, há de se entender que ela pede passagem, e devemos abrir caminho para que se expresse, em mudez que saberá a inestimável e irrestrita solidariedade.

Poderemos até encontrá-la na cozinha, em pleno domingo, no fogo que aquece a água do café matinal – para dois -, que haverá de trazer o imaginário sol de um verão que parece tardar em chegar. Nas estações frias, a exigir a proteção dos lençóis acolhedores da noite finda, ela fará mais doce o gesto tão trivial.

A delicadeza está nos recantos. Na insinuação, não na exposição escancarada dos dotes generosos da mulher amada, tanto quanto mais amada, disposta a caminhar passo a passo, sem saltos. Será o toque, leve, quase imperceptível, que dará a senha para a longa e lenta jornada. Se abreviada pela sofreguidão, arrastará consigo precipício abaixo a mais vívida dádiva da natureza dos homens.

Permanecerá, sim, como a mais atenta guardiã dos que tombarão ao fim do enlace – o desfecho de uma batalha sem tréguas em que dois opostos se unirão, ignorando as ruas povoadas de indelicadezas.

Uma breve recontação da história dos homens
E Vilela, será que ele é?
  • Noélia Costa

    PARABÉNS PELO BELO ARTIGO!APROVEITO PARA DESEJAM UM FELIZ CARNAVAL!”SEJA UM FOLIÃO FELIZ E DIGA NÃO ÀS DROGAS”!

  • Vera

    Delicado… delicadíssimo, a invadir a alma, como a manhã de um domingo qualquer.

  • Ka

    O título me chamou a atenção… E sinceramente fiquei surpresa com o artigo! Muito bom!

  • Silvania

    Belo texto, simples, profundo, delicado e bem escrito. Sinto muita falta de bons textos…Parabéns amigo Sagradense.

  • JEu

    Gostei muito. Principalmente porque, nesta época de festas momescas, parece que recrudesce as manifestações de indelicadezas, pois a delicadeza nasce, também, da bela formação de caráter e da educação. Vou dar um exemplo: em minha rua, da noite de ontem para a madrugada de hoje, vizinhos, como forma de comemorar o carnaval, ligaram som de um carro no meio da rua (que é tipo condomínio, pois não tem saída) até por volta das 01:30 horas. Mesmo que o som não estivesse tão alto (o termpo todo), foi um verdadeiro incômodo para quem desejasse aproveitar as altas horas da noite para dormir, pois nosso bairro não está incluído como local próprio de folia. Claro que não solicitamos a presença da autoridade pública que lida com o assunto, pois achamos que o fato se deu não por maldade, mas por pura euforia do momento. No entanto, creio que é preciso que aprendamos a respeitar o espaço (mesmo que sonoro) do outro, por delicadeza….

  • tania

    AH…..a delicadeza anda tão sumida dessa vida stressada, todos com pressa, querendo passar e ela vai ficando prá trás….sinto falta dela no meu cotidiano……porém achando que todos nós precisamos e desejando tê-la entre os meus…..

  • antonio xavier

    Delicado é sinônimo de frágil.Delicadeza confunde-se com gentileza.”Por delicadeza perdi a minha vida” (Rimbaud.);”Depois de te perder,te encontro,com certeza,talvez num tempo da delicadeza…”(Chico Buarque.);”Serei delicado,sou delicado,morro de delicadeza.”(Vinicius de Morais).Essa revolução Gramsciana que vivemos,turbinada por Maquiavel, explica e justifica a degeneração, o caos instalando-se na sociedade.Delicadeza, não consta na cartilha de Gramsci,ele adaptou Maquiavel!

  • Frederico Farias

    Parabéns pelo texto e pela data.

  • Rosita Cardoso Silva

    Boa.

  • maria auxiliadora araujo

    É incrível como o caro jornalista transita, com tamanha desenvoltura , entre fatos reais , atuais e, a leveza , a delicadeza de um texto como o que acabo de ler…Presentaço , numa época do sai do chão e, muitas vezes, do volta e, fica no chão…