A tecnologia existe para trazer mais qualidade de vida ao homem e, portanto, disponibilizar mais tempo para que possamos nos dedicar ao lazer, às atividades que alimentam a alma. Alguém duvida disso?

Se não o faz, está mais do que na hora de fazê-lo.

A cada dia criamos novos instrumentos que nos tornam mais aptos a gozarmos a vida e desfrutarmos do dolce far niente,  que nos reponha as energias, nos faça crescer e alivie um cotidiano sôfrego e desesperado por realizações práticas e resultados imediatos.

Não é o que acontece. Nunca, em qualquer momento da história humana, tivemos tanta pressa. No trânsito, no trabalho, na família, a vida passa como as paisagens numa janela de um carro em alta velocidade. Nossa memória vai se formando em imagens fragmentadas, que se descontroem à primeira mudança de ambiente.

O estresse virou o mal do milênio, a levar milhões, no mundo inteiro, aos consultórios psiquiátricos, a buscar na ioga, nas igrejas, nos estádios de futebol, nas drogas, a catarse necessária para que tudo não seja apenas o fazer acontecer que o lado de fora espera da gente.

O tempo. Eis do que mais precisamos, para nós mesmos, diariamente, e ele nos resta de forma tão mesquinha, como se os dias encurtassem e as noites, que deveriam nos trazer repouso e sonhos, fossem apenas breves intervalos entre uma jornada e outra.

A vida já passou mais devagar, é verdade, mas viver nas cidades tornou-se uma opção cheia de riscos, a nos exigir, permanentemente, decisões que podem nos custar a renúncia a um sorriso mais suave, a cordialidade sã na convivência entre os iguais e os desiguais.

A paciência e a tolerância vão se esvaindo entre os dedos, de forma imperceptível, tanto quanto inexorável.

Os filhos dispõem, de forma cruelmente crescente, de menos atenção e do carinho dos pais. Os colegas de trabalho só compartilham conosco temas da atividade conjunta que exercemos, sem a troca de afetos ou até mesmo de um sopro de solidariedade ante o olhar macambúzio de um dia triste.

Desfrutamos dos equipamentos que a tecnologia nos oferece, mas não como forma de diminuir o ritmo das nossas ações imperiosas. Rapidamente, os transformamos em novos caminhos por onde iremos trilhar numa velocidade estonteante.

É quando nos deparamos com uma realidade cada vez mais atual: vida mais longa não significa vida mais vivida, mais bem degustada, como a paciência dos sábios nos ensina desde o início da civilização. 

Se com esses instrumentos fazemos mais facilmente, por que não, simplesmente, fazermos mais do mesmo?

Esta não é uma pergunta que se nos apresente para uma reflexão esmiuçada e lenta, mas a resposta nos damos de maneira instantânea, dela prescindindo. 

O tempo não para, e nós teimamos em tentar ultrapassá-lo, como se isso pudesse nos conduzir àquilo que não conseguimos alcançar – numa palavra: felicidade. 

Henry Ford, o industrial revolucionário que “inventou” a linha de montagem (conquistando a admiração de Mussolini, Lênin e Trotsky, entre outros) apostou – e ganhou – na tecnologia como o meio para que o homem produzisse mais, com menos esforço, mas levando-o a uma exaustão que se perpetuou até os dias de hoje.

A esteira – da linha de montagem – ficou mais acelerada, e nós a acompanhamos para além da fabricação dos bens materiais.

É inegável: o homem sempre teve pressa, para chegar sabe-se lá aonde. Ou bem sabemos, embora seja até salutar esquecer que há uma parada obrigatória.

Ainda no começo do século IV, o historiador romano Amiano Marcelino registrou, “com amargura”, que “as pessoas conduzem as suas carruagens pelas ruas cheias de gente em velocidade assustadora” (!).

Para onde terá ido essa gente?

Provavelmente para o mesmo destino que nos é reservado.

 

Morando na Casa da Dinda, Collor ainda "ocupa" apartamento do Senado
A maioridade penal e os nossos maiores bandidos
  • Anthony

    A morte é um assunto recorrente nas suas crônicas dominicais.O próprio tema do que escrevestes agora, nos remete ao nosso inexorável fim!Será que, incluindo a morte em nossas vidas, conseguiríamos ser menos vil,antipáticos,ardilosos,sabotadores? A resposta fica a critério de cada um!E quanto a pressa nossa de cada dia,seria bem melhor “viver dez anos mil que mil anos a dez”.

    Resposta:

    Todos nós, de algumas, mesmo que não saibamos, filosofamos.
    “Filosofar é aprender a morrer” (Montaigne).
    Completo: falar na morte é aprender a não temer a vida.
    Abraços,

    Ricardo Mota

  • Zanza

    E quando percebemos que não é preciso correr tanto… a sirene toca,anunciando
    o fim da corrida. Nosso fim!

    Bom domingo.

  • Julilson Aguiar

    Parabéns pelas colcaoções, estarei postando agora em meu facebook.

  • Solange Cordeiro

    “Nunca, em qualquer momento da história humana, tivemos tanta pressa. No trânsito, no trabalho, na família, a vida passa como as paisagens numa janela de um carro em alta velocidade. Nossa memória vai se formando em imagens fragmentadas, que se desconstroem à primeira mudança de ambiente.” Parabéns, Ricardo….Maravilhoso o texto como um todo…Pena que até a violência cresça junto….

  • Ricardo Gois Machado

    Leio-o todos os domingos, há anos – sem caráter obrigatório (para não me provocar stress).
    Este foi, na minha opinião, seu melhor texto.
    Muito obrigado.

  • nelito

    Parabéns Ricardo,pela matéria, uma obra prima. Correria essa, já denunciada há décadas por Chaplin, no filme tempos modernos. Também,por Karl Marx, quando dizia que o capitalismo iria se autodestruir por suas próprias contradições. A sociedade industrial tem que ser repensada quanto a filosofia do’PROGRESSO’a qualquer custo. Desta forma, destruindo o habitat do próprio homem, com a poluição atmosférica e do subsolo e etc. Acredito que o dirigente de hoje já está percebendo isso. Por exemplo, a Alemanha e o Japão com seus projetos de abolir de uma vez por todas as suas usinas atômicas, à procura de novas alternativas energéticas.

  • jogofo

    BOM DIA.
    RAPAZ, PARASSES PARA PENSAR.
    E, COMO SEMPRE, NOS FAZ REFLETIR. DEVEMOS SIM REAGIR, PELO NOSSO EX-TEMPO DE CADA DIA.
    PODES CRER, O RETORNO DE SUAS FABULOSAS PROVOCAÇÕES, ATRAVÉS DE NOSSAS OMISSAS PARTICIPAÇÕES, É A CULPA DO NOSSO EX-TEMPO, ABSORVIDO PELO DITADOR(HÁBITOS EXISTENCIAIS MODERNOS, QUE NOS PUNEM)…
    CONTINUE, E SEREMOS SEMPRE GRATOS.

  • Luiz Carlos Godoy

    Acredito que, como “tudo que existe debaixo do céu e em cima da terra”, a pressa, dependendo das circunstâncias, também seu valor.
    No meu trabalho, por exemplo, por envolver interesses de quem me remunera (estado de Alagoas), a pressa é uma obrigação legal e legítima.
    Por outro lado, essa mesma pressa não tem necessidade (tampouco é conveniente), em um sábado à noite, à beira de uma fogueira, com uma galera entusiasmada e ao som de um violão.
    Assim sendo, fico com o pensamento gerado no berço da civilização:
    “O maior erro é a pressa antes do tempo e a lentidão ante a oportunidade.” (Provérbio Árabe)

    “Ando devagar porque já tive pressa…”
    https://www.youtube.com/watch?v=fdegtleutvI

  • jose do egito

    Que matéria fantástica! Parabéns, Ricardo Mota.

  • Dalva Leite

    Ricardo…Parabens…Maravilhoso o texto como um todo…Pena que até a violência cresça junto…irei compartilhar no meu face!

  • Paulo Rostner de Olivença

    Caro Ricardo, tomando como parâmetro o penúltimo parágrafo do seu brilhante texto:
    “Para onde terá ido essa gente?” Certamente todos nós sabemos – e, acertadamente, viveram dias melhores com as suas carruagens velozes de até 4 cavalos, pois hoje com toda tecnologia ao nosso dispor, com automóveis circulando na cidade com mais de 200 cavalos não conseguimos honrar com os nossos compromissos pela falta de velocidade, prolongando cada vez mais as horas do dia, fazendo do tempo nosso maior inimigo.
    Sem dúvida, a tecnologia ajuda bastante, desde que você não precise se deslocar nessa selva de pedra que chamamos de cidade.

    “Contei meus anos e descobri
    Que terei menos tempo para viver do que já tive até agora….
    Tenho muito mais passado do que futuro…
    Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de jabuticabas…
    As primeiras, ele chupou displicentemente…………..
    Mas, percebendo que faltam poucas, rói o caroço…

    Já não tenho tempo para lidar com mediocridades…
    Inquieto-me com os invejosos tentando destruir quem eles admiram.
    Cobiçando seus lugares, talento e sorte…..
    Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas
    As pessoas não debatem conteúdo, apenas rótulos…
    Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos…
    Quero a essência…. Minha alma tem pressa….
    Sem muitas jabuticabas na bacia
    Quero viver ao lado de gente humana…muito humana…
    Que não foge de sua mortalidade.
    Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade….
    – Rubem Alves

  • Eliseu Gomes

    A pressa não é para apreciar a natureza, nem sempre é para construir algo bom,bonito ou útil,mas para participar da marcha do consumismo…..

  • luis antonio anjos

    Belo tema caro Ricardo…esta forma de viver está assolando familias…precisamos repensar os objetivos da humanidade, da familia e os nossos…O que esperamos fazer de nossa provisória passagem na terra? como estamos convivendo com nossa familia, com nossos amigos? Será que somos felizes?

  • alberto maya de omena calheiros

    Belo e virtuoso texto. Realmente o tempo pode ser Deus ou o diabo.