Clara
“Os cabelos estreitamente anelados, em forma de samambaia, ressaltavam a sua beleza primária, em estado bruto. Não trazia um traço especial que lhe adornasse a face. Era a soma de tudo que a tornava singular.
O primeiro contato foi em ambiente hostil – para todos que ali se encontrassem. A sala de espera de uma Vara de Família lembrava em tudo o cercado de um matadouro, de onde nunca se escapa sem a sensação de que uma lâmina cega perpetrou seu doloroso estrago.
Olhei-a mais pelo que suas mãos guardavam: um livro de poemas eróticos, de capa chamativa, apropriado, me pareceu, ao que devia ter espalhado em suas páginas.
Foi seu sorriso maroto, ao observar que eu lhe reprovava a leitura, que me estimulou o contato. Não houve barreira nem ali nem em qualquer das vezes em que eu a recebi em meu apartamento.
Divertia-se ante a minha avidez em vê-la em pelos, suaves e obedientes ao contato. Gostava de andar pelos cômodos vestida apenas em uma camisa social qualquer, que encontrava em meus armários. Pegava a primeira que lhe surgisse à vista, e todas pareciam talhadas para o seu corpo longilíneo.
Estranhei, mas logo aceitei, o seu hábito de rabiscar frases e versos nas paredes da casa. Vinham, imaginei, de suas leituras, como a dizer, ao seu modo, da alegria de estar ali. Isso me bastava.
Soube pouco sobre ela porque quase nada me dizia. Seu nome? – Invente. Era um jogo que fui aprendendo a jogar, quase a montar um improvável quebra-cabeça. Idade? – A que lhe parecer.
Talvez deixasse pistas em seus rascunhos na parede. E por mais que tentasse desvendá-los, menos certezas adquiria sobre sua vida lá fora. O que nos unia era o prazer de estarmos juntos, concluí ao desistir de desvendá-la. Essa obscuridade me fascinava e, mais do isso, me excitava – eis a resposta que eu parvamente busquei.
Na última vez em que eu a vi, uma tarde que cuidava em se amorenar, nada de mais aconteceu. Fomos intensos, como sempre. E como sempre, nem disse até logo.
Na parede da cozinha, já no dia seguinte, li o que seria o nosso epitáfio:
Todo adeus é um começo
Clara
Clara!”
David
Fascinante. Passa a sensaçao da paixão, ao mesmo tempo em que se sabe até quando vale a pena vivê-la, os seus limites, deixando um pouco tambem em seus seus versos o que chamo ” sensacao de clarisse “.Mas no fim de tudo o que se junta eh uma grande marca própria e firme, que nos leva ao encontro de amores, paixões ou quase elas. Parabéns, Ricardo, continue nos brindando com estes textos.Quem sabe um livro?
ricardo de arroxellas costa
Fez-me lembrar de várias”Claras”!Bom Domingo……….
Chris
Gostaria de saber a qual texto pertence este fragmento e qual o autor. Grata.
Resposta:
O autor é o próprio blogueiro.
Trata-se apenas de uma crônica domingueira.
Saudações,
Ricardo Mota
Rosangela Santos
PERFEITO! Que texto! Amei.
Fernando Andrade
Isto chama-se:sabedoria feminina à flor da pele,na ponta dos dedos…simplesmente,sensual,claramente,sem mentiras ,sem amarras.Determinada.
Miragem
Lindo às CLARAS
Vanessa Alencar
Ricardo, você precisa nos deliciar com mais crônicas deste tipo. Amei.
Valeria hora barros
Amigo Ricardo, suas palavras mostram para mim que a cada nova descoberta sua confirma o ser sensível, humano e amigo. Sua percepção de encontro e despedida me fortalecem! Obrigada pelo seu poema. Bj
sofia santes
Lindo! Sem tantas palavras para o que me parece perfeito. Parabéns a todas as mulheres singulares desse planeta-isso é que é personalidade e amor – para todas as “Claras”.
Antonio Carlos Gouveia
Parabens Ricardo. Sempre bom ser invadido por sentimentos. Suas crônicas trazem esta situação. Intensidade e determinação em ver algo. Felicidades sempre e sou um entusiasta de suas manifestações.
Noélia Costa Fórum permanenete de combate ás drogas
Lindo!Parabens!
Dayanira de Almeida
Adorei!!!
Parabéns…
mirian pereira de araujo
Ricardo, vc nos mostrou um lado romântico,sem rodeios. Muito bom.Adorei.Parabéns.
Clara Mota
Uma crônica domingueira romantica que nos faz recriar nossos sonhos em momentos que muitos de nós achamos que o amor já não existe – tempos tão modernos. Continue escrevendo para nós que tanto te amamos – leitores. Parabéns!
Rita Maria
As vezes queremos decifrar tudo do outro alguém e o tempo é o melhor amigo das certezas .despedida é sempre um recomeço de algo-creio. Muito bem abençoado.
gilvania gomes dos santos
Maravilha de crônica Ricardo, é um passeio aos perfís de muitas Claras,Anas e Marias que como ondas,vão e voltam no maremoto da vida.O enigma,a docilidade e a fantasia vem da nossa certeza de que não possuimos o que na cruel realidade jamais foi ou poderia ser nosso. Beleza de se ler,pois sempre seremos a Clara que vai ou um Ricardo que fica.
Até logo !
Danielle Novis
Ricardo…adoro suas cronicas “frugais” de domingo. Posso compartilhar ?! Adorei…simples assim .
Danielle Novis
tania
Texto otimo para o domingo, parabéns!!!!
NELMA BARROS
Bom dia querido Ricardo
Primeiro o nome me chamou à atenção: tenho duas amadas sobrinhas com esse nome, mas ao ler o texto vi que não tem a inocência das crianças, mas a maturidade e delícia do amor homem-mulher, maravilhosa crônica, para alegrar a vida, deixar a alma leve, em meio a tantas notícia desagradáveis. Abraços
Diógenes Tenório Júnior
“Apenas uma crônica domingueira”? Qual o quê, mestre Ricardo! Isso é poesia em prosa pura, e das boas. Insisto no que venho lhe dizendo há muito: já passou da hora de os seus textos literários adquirirem feição de livro. Não aguento mais juntar páginas impressas do seu blog…
Blog do AnDRé fALcÃO
Muito, muito legal.
Glauco de Oliveira Rodrigues
Clara é a primazia do amor, é a essência nívea da paz espiritual.
Graça e Paz pra ti e tua casa.